26/09/2016

O IMPACTO DA ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL NOS ÓRGÃOS PÚBLICOS BRASILEIROS

O IMPACTO DA ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL NOS ÓRGÃOS PÚBLICOS BRASILEIROS

Bárbara Aparecida Rocha[1]

RESUMO

Este artigo científico de revisão tem por objetivo analisar o impacto da implantação da administração gerencial como escopo na reformulação da administração pública brasileira. Neste movimento, ganhou força especial a orientação ao cidadão na prestação de serviços públicos. Materializar esta orientação, no entanto, implica mudanças nas estruturas mentais e nas práticas de trabalho vigentes no serviço público e requer a utilização intensiva da tecnologia da informação. 

O Novo Serviço Público é formado sobre a idéia de administradores públicos a serviço de cidadãos, procurando envolvê-los totalmente com quem servem. Através dessa revisão,comprova-se que o novo Serviço Público proclama uma nova visão, mais participativa para os administradores públicos da atualidade e do futuro.

Palavras chaves: Administração Gerencial. Cidadãos. Administradores públicos.

Introdução

As últimas décadas do Século XX apresentaram mudanças nos paradigmas da Administração Pública, com a emergência de um novo modelo com ênfase na eficiência e no controle dos resultados, em substituição à tradicional focalização no controle das atividades - meio das organizações burocráticas.

Comumente chamado de Modelo Gerencial, este novo modelo traz à agenda da gestão pública novos temas: a preocupação com a avaliação de desempenho, o controle sobre os gastos públicos, a orientação dos serviços públicos para a satisfação dos cidadãos, o aumento da produtividade, a ampliação da capacidade de resposta do setor público, a criação de mecanismos de controle e a reestruturação das organizações públicas.

Segundo ABRUCIO (1998) também se aponta como "ingredientes básicos" desse novo paradigma a eficiência, a democratização do serviço público, o aumento da autonomia gerencial, a redução dos níveis hierárquicos e o desenvolvimento de mecanismos de transparência da administração pública.

A adoção do “foco no cidadão” situa-se como um princípio central de reorganização do Estado, entre os princípios do modelo gerencial. Não somente a prestação de serviços em si é reestruturada, mas se pretende que todo o funcionamento do aparelho estatal se redirecione e mude suas prioridades a partir das demandas entendidas como aquelas prioritárias dos cidadãos. É um Estado para o cidadão. Para que o Estado possa desempenhar esse papel, é necessário acompanhar a evolução da satisfação dos usuários dos serviços públicos. A qualidade é entendida fundamentalmente como sendo aquela percebida pelo usuário do serviço.      

No Brasil, esse movimento encontra maior eco nos primeiros anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, no período compreendido entre 1995 e 1998.

 Durante a gestão de Luiz Carlos Bresser Pereira à frente do Ministério da Administração e Reforma do Estado, uma série de iniciativas do governo federal implantaram proposições do chamado “Modelo Gerencial”, como também disseminaram seus princípios entre a opinião pública e os servidores federais.

 A partir de 1999, a extinção do citado ministério materializa a retirada da “Reforma do Estado” da agenda prioritária do governo federal. Entretanto, temas como redesenho de processos, foco no cidadão, orientação gerencial para resultados, flexibilização das estruturas estatais e parcerias público-privado, entre outros, mantiveram-se nas discussões sobre a administração pública no Brasil. Desse modo, faz-se necessária uma análise para compreender até que ponto a gestão pública se orienta para satisfazer o interesse do cidadão.

Desenvolvimento

A reforma do Estado, que se tornou tema central nos anos 90 em todo o mundo, é uma resposta ao processo de globalização em curso, que reduziu a autonomia dos Estados de formular e implementar políticas, e principalmente à crise do Estado, que começa a se delinear em quase todo o mundo nos anos 70, mas que só assume plena definição nos anos 80.

A crise do Estado implicou na necessidade de reformá-lo e reconstruí-lo; a globalização tornou imperativa a tarefa de redefinir suas funções. Seu novo papel é o de facilitar para que a economia nacional se torne internacionalmente competitiva. A regulação e a intervenção continuam necessárias, na educação, na saúde, na cultura, no desenvolvimento tecnológico, nos investimentos em infra-estrutura - uma intervenção que não apenas compense os desequilíbrios distributivos provocados pelo mercado globalizado, mas principalmente que capacite os agentes econômicos a competir a nível mundial.

No Brasil, a reforma do Estado começou nesse momento, em meio a uma grande crise econômica, que chega ao auge em 1990 com um episódio hiper inflacionário. A partir de então a reforma do Estado se torna imperiosa. Problemas considerados cruciais como o ajuste fiscal, a privatização e a abertura comercial, cujo ataque vinha sendo ensaiado nos anos anteriores, são então atacados de frente. A reforma administrativa, entretanto, só se tornou um tema central no Brasil em 1995, após a eleição e a posse de Fernando Henrique Cardoso.

Conforme observou Fernando Henrique Cardoso (1996), “a globalização modificou o papel do Estado, a ênfase da intervenção governamental é agora dirigida quase exclusivamente para tornar possível às economias nacionais desenvolverem e sustentarem condições estruturais de competitividade em escala global”.

A partir de 1995, o governo Fernando Henrique Cardoso estabelece uma nova estratégia para a reforma da administração pública brasileira integrada a um processo mais abrangente de reforma do Estado.

A reforma do Estado, mais do que um conjunto de intenções, é um processo complexo e permanente, que requer para o seu pleno desenvolvimento objetividade, persistência e construção de uma estratégia que permita enfrentar conflitos e ambigüidades. Num contexto determinado por profundas transformações, nem sempre previsíveis, torna-se fundamental criar as condições que garantam a irreversibilidade dos processos de mudança.

Assim, realizar a reforma do aparelho do Estado implica, na verdade, em realizar três grandes reformas, ou, em outras palavras, realizar a reforma a partir de três dimensões estratégicas básicas: A dimensão institucional-legal, que tem por objetivo o aperfeiçoamento de todo o sistema jurídico-legal vigente que represente obstáculos à implementação do modelo de administração pública gerencial. A segunda diz respeito à dimensão cultural, que visa substituir a cultura burocrática dominante pela gerencial. A mudança para uma cultura gerencial é uma mudança de qualidade. Não se parte para o oposto, para uma confiança ingênua na humanidade. O que se pretende é apenas dar um voto de confiança provisório aos administradores, e controlar “a posteriori" os resultados.

A terceira dimensão, muito próxima da segunda, é a da gestão, onde efetivamente se processa e se programa a reforma. Consiste basicamente da introdução de novos princípios e técnicas de administração voltados para a melhoria do desempenho das instituições públicas. Isto pressupõe dois movimentos centrais de modernização: o primeiro, numa perspectiva global, a partir da implementação de um programa de qualidade e participação, que inclui a reestruturação estratégica, estabelecimento de compromissos de resultados e desenvolvimento de recursos humanos; e o segundo, numa perspectiva mais localizada, a partir da seleção de unidades-piloto de experimentação, que tem por objetivo transformar as atuais organizações dos setores de atividades exclusivas e não-exclusivas de Estado respectivamente em Agências Executivas e Organizações Sociais, incluindo a reestruturação e capacitação necessárias para a assinatura de contratos de gestão. Estas dimensões, embora tenham certa independência, no limite se complementam.

A verdadeira reforma implica a realização integral das três dimensões enunciadas, ou seja, não se realiza a reforma do aparelho do Estado a partir de uma só perspectiva do problema. Não é possível de se fazer a reforma apenas por decreto: as medidas legislativas e executivas têm sua importância, às vezes decisiva, mas não é dessa maneira que se transforma um conjunto institucional. A diferença estará nos homens e na organização feita por eles.

A administração pública gerencial inspira-se na administração de empresas, mas não pode ser confundida com esta última. Enquanto a receita das empresas depende dos pagamentos que os clientes fazem livremente na compra de seus produtos e serviços, a receita do Estado deriva de impostos, ou seja, de contribuições obrigatórias, sem contrapartida direta. Enquanto o mercado controla a administração das empresas, a sociedade — por meios políticos eleitos — controla a administração pública. Enquanto a administração de empresas está voltada para o lucro privado, para a maximização dos interesses dos acionistas, esperando-se que, através do mercado, o interesse coletivo seja atendido, a administração pública gerencial está explícita e diretamente voltada para o interesse público.

Os autores que propõem o modelo gerencial de administração pública contrapõem-no ao chamado modelo burocrático.

BRESSER PEREIRA (1999) defende que:

O modelo gerencial resolve uma limitação do modelo burocrático: a falta de focalização nas necessidades dos cidadãos-usuários dos serviços públicos. Em sua crítica, afirma que o modelo burocrático tem um efeito inibidor sobre o processo decisório, por sua base na regulamentação intensiva das ações dos agentes públicos com vistas à garantia da impessoalidade no acesso aos serviços. Com isso, o aparato estatal assume uma postura auto-referida e perde agilidade para atendimento das demandas.

Constitui-se a inversão de propósitos apontada por KETTL (2001), em que a "máquina pública" dedica-se a atender prioritariamente os seus interesses e apenas subsidiariamente os da população.

Esta situação vincula-se à fragilidade do controle social sobre o aparato estatal, explicada pela assimetria de informação presente nas relações entre governo e sociedade, nas quais esta última não dispõe de informações suficientes para efetivar o controle sobre as ações do Estado.

O modelo gerencial, a despeito de suas várias nuances e linhas distintas, consistentemente direciona esforços em termos do atendimento ao cidadão. Cunha-se a expressão “foco no cidadão” como síntese de princípios que SOARES (2000) destaca:

  • velocidade e agilidade de resposta do prestador de serviços;
  • utilização de sistemas flexíveis de atendimento ao cidadão, com maiores condições de atendimento segmentado ou personalizado, em substituição à prestação de serviços padronizada;
  • busca da excelência dos serviços, inclusive com o estabelecimento de padrões e metas de qualidade de atendimento;
  • manutenção de canais de comunicação com os usuários, e
  • avaliação da qualidade dos serviços prestados.

A orientação para o cidadão levou à disseminação de uma série de instrumentos de atendimento ao cidadão. Esses instrumentos buscam atender às necessidades de simplificação dos procedimentos, como expresso por OSBORNE e GAEBLER (1994):

um sistema dirigido ao cliente deve ser “descomplicado”, não deve ser confrontado com um fabuloso labirinto de programas fragmentados e uma infinidade de formulários para preencher.O sistema deve ser transparente para que os clientes sejam capazes de transitar por entre as muitas opções disponíveis, sem necessariamente ter que transitar pelas burocracias que se ocultam por trás de cada uma delas.

Esses requisitos, evidentemente, encontram suporte na aplicação de recursos de tecnologia da informação, especialmente naqueles que permitem a integração de processos e o acesso remoto a sistemas e bases de dados. Ainda que se utilizando de intensidades distintas do uso dessas tecnologias, os principais instrumentos de atendimento ao cidadão de alguma forma a utilizam. O desenvolvimento de soluções de atendimento orientado ao cidadão pode ser classificado em duas categorias, de acordo com o nível de integração de processos e o formato do atendimento oferecido:

  • atendimento setorial: oferecimento de soluções obedecendo a estrutura setorial existente na administração pública (ou uma estrutura já fruto de uma revisão organizacional), incorporando recursos tecnológicos e redesenho de processos. Neste modelo, a principal preocupação se encontra na revisão dos processos com foco nas necessidades do cidadão. A inovação concentra-se no back-office, ou seja, na realização pelas tarefas pelos órgãos públicos, e requer maior nível de integração interna na execução de tarefas entre os vários departamentos de um mesmo órgão, mas requer menor grau de integração entre distintos órgãos;
  • atendimento integrado: utilização de recursos únicos para o atendimento ao cidadão, independentemente da natureza de sua demanda. Neste modelo, o foco está na redução do deslocamento e do gasto de tempo do cidadão. A inovação concentra-se no modelo de contato do cidadão com a administração pública, que requer maior integração entre órgãos distintos e a implantação de estruturas comuns.

Evidentemente, esses dois tipos são básicos, podendo existir combinações entre eles (por exemplo, uma central de atendimento integrado de um órgão específico, que integra o atendimento dos vários departamentos que o constituem).

O receituário da orientação ao cidadão no atendimento propõe, também, que esta não utilize apenas os recursos da tecnologia da informação, a reorganização de processos e a reestruturação dos modelos de atendimento. O investimento na produção e divulgação da informação sobre os serviços é vista como elemento indispensável para a garantia da efetivação do foco no cidadão, uma vez que garante uma resposta a problemas clássicos no acesso aos serviços.

Conclusão

As perspectivas em relação à reforma da administração pública são muito favoráveis. Na verdade o êxito da reforma do Estado depende da capacidade de cobrança dos cidadãos.

Historicamente o Estado não era visto com um órgão ao lado da sociedade, oriundo de um contrato social, mas como uma entidade acima da sociedade. Desta forma, a responsabilidade política pela administração dos recursos públicos foi raramente exigida como um direito de cidadania.

Com a implantação do modelo de Administração Gerencial, os órgãos públicos brasileiros passaram e ainda passam por uma reestruturação em suas entranhas, seria uma nova maneira de ver e administrar a coisa pública, ver com os olhos dos cidadãos, procurar satisfazer da melhor maneira possível seus anseios.

A necessidade de transparência tem se tornado cada vez mais necessária, a eficiência nas ações tem sido primordial e a cobrança dos resultados tem sido implementada com grande ênfase.

Quer seja pela influência das várias produções do modelo gerencial, ou, ainda, pela absorção de conteúdos de múltiplas fontes nesse campo, a introdução do “foco no cidadão” como categoria central de organização das ações do Estado influenciou o pensamento em administração pública e a prática de gestores públicos.

O impacto foi profundo e positivo. A reestruturação ao qual a máquina pública passou, o controle do desempenho pela implantação de padrões e indicadores de desempenho para monitoramento da qualidade do serviço público e a interação e comunicação com o cidadão em termos de fornecimento de informações sobre os serviços públicos aproximou a administração pública do cidadão que com o emprego de recursos da tecnologia da informação tornou mais ágil e precisa a resposta aos seus anseios, além de promover maior transparência e controle público.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRUCIO, F. L.; COSTA, V. M. F. Reforma do Estado e contexto federativo brasileiro. São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1998.

BRESSER-PEREIRA, L. C. Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, v. 120, n. 1, 1996.

BRESSER-PEREIRA, L. C. Reforma do Estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: MARE, Cadernos MARE, n. 1, 1997.

BRESSER-PEREIRA, L. C. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. Brasília: ENAP/ Editora 34, 1998a.

CARDOSO, F. H. “Globalização”. Conferência pronunciada em Nova Delhi, Índia, janeiro 1966. Publicada em O Estado de S.Paulo, 28 dejaneiro, 1996.

CLAD - CENTRO LATINO AMERICANO DE ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO (Conselho Científico). Uma nova gestão pública para a América Latina. In: Revista do Serviço Público, ano 50, n. 1, jan. - mar. 1999, p. 123-146.

DINIZ, E. Crise, reforma do Estado e governabilidade. Brasil 1985-95. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997.

KETLL, D. and J. D. Inside the Reinvention Machine: Appraising Governmental Reform. Washington: The Brookings Institution, Center for Public Management.2001

KETLL, Donald F. Reinventing Government? Appraising the National Performance Review. Washington.1994.

OSBORNE, D. and GAEBLER, T. Reinventing Government. Reading, Mass.: Addison-Wesley. 1994.

SOARES, A. P. F. M. e VAZ, J. C. Serviço Móvel de Atendimento ao Cidadão. In: PAULICS, V. (org.). 125 Dicas: Idéias para a Ação Municipal. São Paulo: Instituto Polis. 2000.


[1] Servidora pública da Universidade Federal de Minas Gerais no cargo de técnico administrativo em educação.Pós Graduada em Gestão Pública.

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