03/12/2019

O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

BRUM, Mara Lucia Teixeira[1].

SKOLAUDE, Jane Maria Dias[2]

 

Resumo: O artigo analisa o impacto da globalização na educação superior, mostrando pontos positivos e negativos, mostrando que a tendência é de fortalecer a internacionalização e a informatização da educação superior. Acredita-se que o processo de Bolonha e o desenvolvimento do ensino à distância são indicadores de integração internacional no sistema educacional, que acabaram fortalecendo a quantidade e não a qualidade da educação superior no Brasil. À metodologia usada para elaboração foi pesquisa bibliográfica pautada no referencial teórico disponibilizado na disciplina Reestruturação Educacional, Gestão e Trabalho Docente que propiciou a escrita deste artigo.

Palavras chave: Globalização, educação, Política neoliberal.

Introdução

A revolução científica e tecnológica levou à rápida evolução dos processos de globalização, que afetam a maioria das áreas mais importantes da atividade humana. Conceitos como "globalização da educação", "globalização da economia", "globalização política" são usados hoje em dia como forma padronização global. A globalização é vista como um processo de integração global, econômica, política e cultural, podendo ser chamada de um processo internacional, que afeta todos os aspectos da sociedade moderna. Santos, alerta que os “processos de globalização mostram que estamos perante um fenómeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo”(SANTOS, 2002, P.26). As transformações que vêm ocorrendo no sistema mundial atingem várias instâncias sociais que advém das desigualdades sociais entre países ricos e pobres, desastres ambientais, guerras que se proliferam devidos a conflitos étnicos e migratórios acabam por afetar todo o sistema mundial incluindo o sistema educacional. 

A globalização cultural assumiu um peso especial com a chamada viragem cultural da década de oitenta, ou seja, a mudança de ênfase, nas ciências sociais, dos fenômenos socioconômicos para os fenômenos culturais “(SANTOS, 2002, p.44).Essa viragem gera as diferentes reformas educacionais mobilizadas na segunda metade da década de 1980, permitindo as temáticas vinculadas às reformas educacionais, às relações entre estado e neoliberalismo ou mesmo às racionalidades pedagógicas fabricadas nesse processo, adquirissem forte centralidade analítica. Os currículos escolares, em suas políticas e práticas, foram compreendidos como parte fundamental de uma gramática política econômica de caráter internacional, impulsionados por diferentes agendas políticas, ou seja, pelas agências multilaterais. Conforme Dias Sobrinho,(2009) essas reformas curriculares foram estruturadas de cima para baixo, com pouca participação da comunidade universitária e passou por cima da autonomia das universidades, impondo currículos  de curta duração voltados para necessidades laborais dos empregos do momento. Serafim (2011, p.252), adverte que “essa integração impõe certa homogeneização do currículo e, por sua vez, a perda das funções essenciais da educação superior.” Atualmente as atividades docentes estão cada vez entrelaçadas com as relações de poder político e controle social sobre a produção do conhecimento, porque o currículo não um elemento neutro na transmissão social do conhecimento.

Os mecanismos neoliberais não objetivam garantir o fortalecimento do Estado, mas estabelecer possibilidade de limitação interna ao exercício do governo. Assim, essa arte liberal de governar é engendrada pela busca do governo mínimo. Desse modo, “houve uma reconfiguração do poder de estado e uma reconstrução das fronteiras entre as esferas públicas e privadas” (Hypolito, 2008.p.64); nesse processo o estado vai cedendo à gerência para iniciativa privada, ficando ele com a mínima gerência sobre os órgãos públicos, processo advindo dos mecanismos neoliberais e do processo de globalização em massa que primam pelo fim dos bens públicos.

Conforme Burbules e Torres (2004 p.28) dizem se “claro que a globalização altera dramaticamente muitas das maneiras como o estado mediam o poder nos níveis subestatais e transnacionais”, que mostra o enfraquecimento cada vez maior do estado e da sua ingerência sobre os processos educacionais que vêm sendo implantados através dos diversos modelos de avaliações sobre o ensino, levam a uniformidade e a concorrência no sistema educacional no mundo.

As organizações internacionais como a Aliança Global para Educação Transnacional, UNESCO, a Associação Internacional de avaliações educacionais, a Associação Internacional de Universidades, Associação das Universidades Europeias, rede internacional de agências de garantia da qualidade do ensino superior e assim por diante, influenciam no desenvolvimento e na formulação de políticas nacionais. Serafim (2011, p.261) mostra que a realidade “mundial da educação superior está tendendo a aceitar que o conhecimento deve visar utilidade prática e rápida e que as universidades devem se assemelhar cada vez mais a lógica empresarial”. As perspectivas atuais para o Ensino Universitário encontram-se numa encruzilhada, divididas entre diretrizes para a reestruturação e revalorização do Ensino Superior Público, e uma força de mercado que tenta transformar o processo de ensino aprendizagem, em mais uma mercadoria passível de valor de troca, o que, a nosso ver, não contribui positivamente para a transformação do país em Nação.

Do ponto de vista da manutenção, Noam Chomsky (2004) vê as Universidades como instituições parasitárias, pois não geram seus próprios recursos. De um lado são financiadas por recursos públicos e de outro, de fontes como patrocínios de empresas interessadas nas pesquisas. Esse financiamento acaba influenciando nas políticas educacionais interferindo na autonomia e independência intelectual das Universidades que por isso têm de enfrentar o conflito entre as fontes de sua existência e os financiamentos que tenderão a exercer poder sobre elas.

A Influência da globalização no ensino superior.

No processo que se une iniciativa privada e setor público entra as principais influências da globalização na educação superior que podem ser percebidas, no surgimento de um mercado global de educação, através de empresas transnacionais educacionais, da informatização da educação e da integração padronizada dos sistemas educacionais e dos valores culturais. Estas tendências são pré-requisitos para a criação do Processo de Bolonha, que envolve a harmonização de sistemas heterogéneos historicamente estabelecidos através da criação de padrões europeus comuns para facilitar a interação, a mobilidade no ensino superior. O processo de Bolonha foi o estopim para a globalização da educação através dos seus vários programas em parcerias com vários países da Europa e do mundo.

A globalização da educação faz com que os processos de competição nesse campo sejam internacionais, ou seja, instituições de ensino de diferentes países participem da competição pelos melhores professores, alunos e pós-graduandos. O papel das instituições educacionais na luta pela liderança no sistema educacional mundial está aumentando, proporcionando vantagens competitivas estratégicas no mercado educacional. Isso faz com que as IES se lancem a desenvolver novas formas de aprendizagem para adaptar-se perante as mudanças dos conhecimentos e as novas demandas do trabalho e da vida social. (cf.DIAS SOBRINHO, 2005).

A influência negativa da globalização se revela na qualidade do processo educacional, o foco passa a ser a competitividade de modo geral, tanto na educação fundamental como no ensino superior. No mundo globalizado somos submetidos a uma complexa rede de estímulos que nos leva a consumir compulsivamente, acabamos domesticados para absorver, sem ao menos refletir. Não sendo diferente na formação, pois cada vez mais são usados recursos tecnológicos para acelerar o aprendizado, ficando este mais rápido e fácil. Porém, mais frágil, e menos formador, porque visa à educação em massa a qual nem sempre contempla uma educação de qualidade, mas, sim, uma educação de quantidade, seguindo a lógica do capital. Hipólito (2008.p.74) afirma que “a nova forma de gestão escolar está fortemente baseada na gestão de Qualidade Total”. Que vem fortemente influenciando a formação de professores e modo deles conduzir o ensino aprendizagem, que passa ser em muitos casos padronizados através de livros como se o processo educacional pudesse ser feito por receita.

Assim como a globalização traz aspectos negativos, também traz pontos positivos na formação de discentes e professores. Se pode dizer que o impacto da globalização devido ao aumento da concorrência internacional leva à disseminação da educação no campo do empreendedorismo, o que levou ao desenvolvimento da cooperação interuniversitária internacional que permite a criação de projetos conjuntos de pesquisa, programas de intercâmbio para estudantes e professores, programas especiais para estudantes estrangeiros, dando uma maior mobilidade de alunos e professores como uma das principais formas de internacionalização do ensino superior.

Outro enfoque explorado por Morrow e Torres (2004) sobre a influência da globalização na educação superior é a “Educação Global à Distância”. Que além de suprir a oferta pelos crescentes e atuais cortes na educação, facilita ao acesso por um maior e mais diversificado número estudantes, proporcionando elevar o nível de conhecimento e qualificar o currículo para um mercado global, o que pela concorrência, pelas atuais políticas na educação, levaria muito mais tempo ou inviabilizaria de forma presencial.

Mas não são unânimes as opiniões favoráveis a esta modalidade de educação, pois avaliam que há prejuízo na apropriação do conhecimento causada pelas buscas fragmentadas por meios eletrônicos e a venda de pacotes de treinamento ocasionando a incapacidade do lado crítico e reflexivo da educação e contribuindo para um sucateamento na educação assim como uma invasão cultural de áreas mais desenvolvidas para as menos desenvolvidas.

Uma característica distintiva dos sistemas nacionais de educação no século XXI, resultado do processo de globalização é o aumento da mobilidade acadêmica e científica entre vários países, que eleva o conhecimento cultural e formativo dos discentes e docentes, que optam por fazer um Pós-Doc ou até sair passar um tempo no exterior fazendo o que chamamos “Sanduíche”, que só é possível porque essa a mobilidade acadêmica é estimulada por vários programas[3] nacionais e internacionais, devido os acordos bilaterais e multilaterais na área da educação que contribuem para a formação dos futuros profissionais da educação e dos professores universitários que também são contemplados com programas de Pós-Doc ofertados pelas universidades parceira no exterior.

Numa perspectiva Foucaultiana, a educação moderna não é entendida como um caminho para racionalidade, liberdade e igualdade humana, por assumir o sujeito como centrado e unitário, a ser desenvolvido pela ação pedagógica. A educação moderna se configura como imensa máquina a serviço do capitalista e das políticas neoliberais. Assim, o sujeito ideal do neoliberalismo é aquele capaz de participar e competir livremente, fazendo suas próprias escolhas e aquisições e assumindo responsabilidades quanto a sua própria formação para ser e estar no mundo, isto é, que saibam se virar entre o local e o global.  A educação é o processo pelo o qual os indivíduos adquirem sua personalidade cultural, está ligada ao aprendizado dos valores e dos sentimentos envolvidos nas relações interpessoais entre indivíduos em diferentes níveis de culturas que, ao longo de suas carreiras profissionais, vão se autoformando e se auto-reformulando. O processo formativo homem e cultura se constituem dialeticamente, porque um não existe sem o outro. No entanto em condições modernas, é importante encontrar certo equilíbrio: por um lado, integrar-se no espaço educacional mundial e, por outro, preservar a dignidade do próprio sistema, sem o qual a existência de uma cultura nacional é impossível.

Considerações finais 

Entendemos que o desenvolvimento dos processos de globalização na esfera da educação vem da necessidade objetivo de melhorar a competitividade da economia nacional e do desenvolvimento humano, que exigem modernização do ensino na direção do cumprimento das normas internacionais e europeias. No entanto, a tendência de mercantilização da educação, enfraquecendo o papel do ensino superior na "economia do conhecimento", a redução real do apoio financeiro do Estado a instituições de ensino, a perda da cultura e da identidade nacional são as consequências inevitáveis da globalização. Mesmo com o fortalecimento da autonomia e da independência financeira das instituições de ensino superior, o governo deve continuar a ser a principal fonte de financiamento para o ensino superior. Para que haja um progresso nos meios educacionais a educação precisa estar articulada com as estratégias social, visando a superação da lógica do capital que reduzir tudo a mera quantidade. A educação precisa reagir na busca pela qualidade nos meios educativos, pois estamos vivendo na era da quantidade e não da qualidade.

Assim, a globalização na educação aparece na forma de integração internacional através da aproximação mútua dos sistemas educacionais, sua complementaridade e a interdependência. A internacionalização e a informatização da educação, um dos aspectos que é o desenvolvimento da educação à distância, assim como o processo de Bolonha, são o resultado de processos de globalização que gradualmente formam um espaço educacional mundial unificado. A educação superior enfrenta a tarefa não apenas de aceitar esse fenômeno como dado, mas também de reestruturar o sistema de ensino nas universidades de tal maneira que o aluno, o graduado, se sinta parte desse processo não meramente um convidado a receber conhecimento. O ensino superior precisa dar mais atenção a opinião de seus discentes e docentes, para que esses não se sintam meros consumidores desse processo produtivistas das politicas neoliberais.

 

Referencial

BURBULES, Nicholas C. e TORRES, Carlos Alberto (org). Globalização e Educação - Perspectivas críticas. Porto Alegre: Artmed Editora, 2004.

CHOMSKY, Noam. In: BURBULES, Nicholas C. e TORRES, Carlos Alberto (org). Globalização e Educação - Perspectivas críticas. Porto Alegre: Artmed Editora, 2004.

DIAS SOBRINHO, JOSÉ. O processo de Bolonha. In: Pereira, Elizabeth Monteiro de Aguiar; ALMEIDA, Maria de Lourdes Pinto. (org). Universidade contemporânea, Políticas do processo de Bolonha. Campinas: Mercado das Letras, 2009.p.131-154.

DIAS SOBRINHO, José. Dilemas da educação superior no mundo globalizado: Sociedade do conhecimento ou economia do conhecimento? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

GARCIA, Maria Manuela Alves e OSÓRIO, Mara Rejane Vieira. O profissionalismo docente na reforma das licenciaturas: o discurso da política curricular oficial. In TURA, Maria de Lourdes Rangel e GARCIA, Maria Manuela Alves. Currículo, políticas e ação docente. Rio de Janeiro: EdURGE, 2013.

HYPÓLITO,Álvaro Moreira. Estado Gerencial, e reestruturação educativa e gestão da educação. RBPAE - v.24, n.1, p.63-78, jan./abr.2008.

HUNTER, Ian. Assembling the school. In: BARRY, A.; OSBORNE, T.; ROSE, N. (Ed.). Foucault and political reason; liberalism, neo-liberalism and rationalities of government. Chicago: University of Chicago Press, 1996. p.143-166.

MOROW, R. e TORRES, C. A. Estado, Globalização e Políticas Educacionais. In: BURBULES, N. C. e TORRES, C. A. (Org.) Globalização e Educação – perspectivas críticas. Porto Alegre: ArtMed Editora, 2004. p.27-44

LAWN, Martin. Os professores e a fabricação de identidades. Currículo sem Fronteiras, v.1, N. 2, jul./dez. 2001.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A globalização e as ciências sociais. 2º .ed. São Paulo. Cortez, 2002.

SERAFIM, Milena, Pavan. O processo de Mercantilização das instituições de educação superior: Um panorama do debate nos EUA, na Europa e na América Latina. Avaliação. Campinas; Sorocaba. SP, V.16. n. 2.p 241-265. Jul.2011.

 

[1] Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFPel, Mestre em educação –UFPEL (2014); Especialista em Psicopedagogia Institucional pela UCB (2005) Especialista em Educação Infantil pela UCB (2004). Graduada em Pedagogia – FURG (1998), Pedagoga – Universidade Federal do Rio Grande – FURG . e-mail: marabrum@gmail.com

[2] Graduanda em Ciências Contábeis pela FACECA Cachoeira do Sul (1986)  e email janeskolaude@gmail.com

[3] Os mais famosos programas europeus são: ERASMUS e SOCRATES, que visam criar um modelo europeu de ensino superior.

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