20/07/2015

O LUGAR DE NESTOR VÍTOR NO CAMPO LITERÁRIO BRASILEIRO

O LUGAR DE NESTOR VÍTOR NO CAMPO LITERÁRIO BRASILEIRO

RESUMO
O movimento simbolista se desenvolve no Brasil e não obtém êxito e nem reconhecimento no campo literário, isso porque não se adequa à busca por uma identidade literária nacional. Cabia então a um crítico representar o movimento e este papel foi assumido por Nestor Vítor, simbolista que participou do movimento intensamente, sendo sua voz e seu espelho. Desta maneira, seus ensaios críticos vão interpretar o Simbolismo, tentando legitimar seu discurso espiritual e carregado de subjetivismo, além de abordar questões transnacionais. O crítico evidencia a importância de Cruz e Souza para o movimento e a de outros poetas à margem da metrópole carioca. Sua tomada de posição tentará estabelecer um lugar para o discurso simbolista e seus poetas.      

Palavras-chave: Nestor Vítor, Simbolismo, Crítica  

Sabemos que a nossa cultura, a brasileira, é composta de outras culturas, principalmente a europeia. O diálogo entre ambas as culturas norteou as primeiras manifestações literárias e artísticas brasileiras. Contudo, conforme a cultura brasileira se consolidava, esse diálogo fora considerado cópia, levando as gerações literárias, a partir do Romantismo, a lutarem por uma cultura própria que ressaltasse os elementos da brasilidade. É exatamente na contramão da política identitária brasileira que o Simbolismo se estabelece no campo literário nacional. É essa falta de assimilação das ideias nacionalistas que o torna um movimento desprestigiado, sem aceitação da sociedade e da crítica. 
Assim, o Simbolismo não consegue legitimar-se no campo literário brasileiro, recebendo uma forte avaliação depreciativa por parte dos críticos da época, fazendo-se necessária uma análise crítica que viesse de dentro do próprio grupo. Nestor Vítor, poeta, escritor e crítico simbolista, viria cumprir esse papel.
Em 1890, Nestor Vítor se fixa no Rio de Janeiro e já tendo conhecido João da Cruz e Souza no ano anterior, intensifica sua amizade. Cruz e Souza, então, é mais que um grande amigo, ele torna-se um importante personagem de sua obra crítica. Assim, surge o ensaio crítico dedicado a ele, Cruz e Souza, de 1896. Trata-se de um estudo sobre os poemas de Evocações e foi publicado em 1899, logo após a publicação  da  obra  de  Cruz   e  Souza,  em 1898. Esse ensaio só foi publicado após a morte do amigo, pois primeiro, para o crítico, era necessário publicar Evocações como atesta: 
Este trabalho estava feito dous anos antes da morte de Cruz e Souza. Foi ele dos primeiros que o conheceram inédito; teve-o em suas mãos por dilatado tempo. Eu não podia publicar, porém, enquanto não fossem impressas suas Evocações, ao menos livro que principalmente inspirou as linhas que se vão aqui ler e do qual são aqui citados e criticados alguns trabalhos especificadamente. (VÍTOR, 1969, p. 3)
 
Desta maneira, temos neste estudo sobre Cruz e Souza uma crítica totalmente baseada nas concepções simbolistas, evidenciando a intenção do crítico em incluir tanto o poeta como o movimento simbolista no campo literário brasileiro. Para isso, o autor desenvolve seu estudo colocando lado a lado a estética simbolista e a obra do poeta, para que ambas assumam um lugar naquela geração, afinal eram mal compreendidas assim como afirma: “Sua obra mal compreendida é um equívoco ridículo, é um movimento de retorno irrisório para as eras da ingenuidade basbaque” (VÍTOR, 1969, p. 9). Notamos sua irritação com a má compreensão que a obra do amigo tem pelos seus pares no campo literário brasileiro, por isso não se cansa de qualificá-la, atribuindo características positivas tanto à obra como ao autor. 
Hoje, e de cada vez mais, na obra de Cruz e Souza, a paixão entusiasta e confiante vem trazendo colateral a si uma obsessão plangente, clamativa, queixosa, nunca porque ele se revolte contra o objeto da sua contemplação em si, que é sempre a natureza abençoada, que é a hóstia de todas as altas consagrações do espírito, que é o fetiche sagrado para onde vão os arrebatamentos mais inteligentes e dignos, mas porque as Esferas não palpitam conosco, não se fazem bocas da nossa dor, signos interpretativos da nossa fé, para torná-las eloquentes e imperecíveis, para dar-lhes toda a intensidade na realidade, cousas de que nós apenas conseguimos esboçar uma deficiente, pálida e desesperadora intenção. (VÍTOR, 1969, p. 6)      
 
Logo no início do ensaio, ele afirma em relação ao poeta que: “sua obra não é apenas o livro, é a sua vida de todas as horas, de todos os instantes” e continua mais adiante dizendo que: “ele não tem fadigas, não tem horas triviais, não tem nunca lugares-comuns. A estreita vida, com todas as suas miseráveis contingências, que nenhum intelectual neste país já conheceu mais amargas” (VÍTOR, 1969, p. 4). O crítico ressalta o valor do homem  e  do  poeta  mediante  as  dificuldades vividas e mostra que Cruz e Souza é sua própria obra, porque transmite o que sente de maneira intensa, como constatamos no parágrafo abaixo: 
Por isso a Arte, como sempre, terá a força de uma sugestão. Mas é o que basta. E os artistas da tempera delicada e superior de Cruz e Sousa atuarão apenas nas camadas que estejam mais na periferia, desde que a esta demos uma acepção nobilitante. (VÍTOR, 1969, p. 14)

Através da afirmação “mas é o que basta” que diz respeito à sugestão que a arte precisa exprimir, Nestor Vítor define a importância da estética da sugestão para a manifestação artística, ou seja, a importância da estética simbolista, já que assume como princípio condutor a subjetividade e a expressão do eu lírico.  Observamos, portanto, na crítica nestoriana estratégias de legitimação do movimento simbolista e de sua estética, para que assim os artistas desta nova geração, à qual ele também pertencia, recebessem reconhecimento principalmente na metrópole cultural do país na época, o Rio de Janeiro. 
Nestor Vítor define bem o significado de arte e de sua representação em cada época e por cada artista, nos deixando claro que algumas manifestações artísticas e alguns artistas não encontram lugar na geração em que surgem porque não são bem compreendidos, como ocorre com Cruz e Souza e o Simbolismo no campo literário brasileiro do século XIX. Nas palavras do crítico: “A arte eterna, a simples arte, é uma e indivisível, embora em cada artista se manifeste por uma nova nota, em cada época por diversa expressão” (VÍTOR, 1969, p. 14).
Para Nestor Vítor, a arte é algo que foge à mera representação de comportamentos sociais. Por isso atacava textos compostos de forma literal, como os hinos nacionais, que segundo Silveira: “é o que ocorre, por exemplo, de acordo com Nestor Vítor, quando os hinos nacionais, no caso específico de Marselhesa, são tratados como um discurso de ordem” (SILVEIRA, 2010, p. 47), perdendo, assim, seu “caráter alegórico”, encarnando ideais específicos e cumprindo funções sociais. 
A função que o hino francês tem no Brasil na época da Proclamação da República é bem precisa, caracteriza um estado de espírito em “defesa do ideal republicano”, contra os “padrões monárquicos”, representando o “grito de liberdade revolucionário”. O que se fazia era deslocar o hino francês carregado de seus ideais revolucionários para a atmosfera brasileira, porém isso não era capaz de abarcar toda a realidade da nação (SILVEIRA, 2010, p. 47).  Sobre isso, José Murilo de Carvalho afirma em seu livro A formação das almas – o imaginário da república no Brasil que: 
Se na França tentava-se fazer da Marselhesa o hino da pátria e não da revolução, em outros países ela ainda representava um grito de guerra e de revolta. (...) Para os republicanos brasileiros, era o próprio espírito da revolução. (...) No dia 15 de novembro, (...) foi ainda a Marselhesa que se ouviu pelas ruas, letra e música de Rouget de Lisle. (CARVALHO, 2003. p. 124)

Aqui notamos o ideário republicano e nacionalista fortemente presente no cenário cultural do século XIX, o que obscurecia as manifestações literárias em prol do sujeito e do sentimentalismo, como a estética simbolista, que Nestor Vítor defendia. Além deste ideário, a influência das correntes cientificistas também colocava a estética da correspondência em um não-lugar. Todavia, é preciso ressaltar que Nestor Vítor não nega a ciência e sim a filosofia austera que o pensamento científico impunha, tornando-se a única verdade possível, aceita em todo o cenário intelectual e cultural brasileiro. Por conseguinte, o que o crítico defendia eram a arte e o verso, carregados dos sentimentos do poeta, sem amarras cosmopolitas, sem verdades únicas, sem utilidade social.
A preocupação de Nestor Vítor com a autonomia do poeta em expressar sua arte e seu verso de maneira subjetiva, libertando-se  do  caráter  utilitário  presente  no  campo  literário brasileiro daquele momento, tem origem nos pensamentos baudelairianos. Isso porque seu primeiro contato com a estética simbolista é por meio das leituras de As flores do mal, de Baudelaire, em 1880, livro que fora emprestado pelo amigo Emiliano Pernetta. O crítico, então, se aproxima de Baudelaire ao ver o mundo em que vive como algo além do que a objetividade positivista tentava demonstrar. Para ele, a capacidade de espiritualização é que diferenciava os seres humanos dos demais seres e isso não podia ser perdido, pois a existência pura e simples seria apenas futilidade.    
Logo, para Nestor Vítor, a obra de Cruz e Souza é “uma sugestão para dela compreendermos os mais intensos requintes” (VÍTOR, 1969, p. 9). É esta sugestão que proporcionaria às pessoas a compreensão de todas as nuances do mundo e da vida. A obra de seu fiel amigo teria a especial capacidade de autoexplicar-se, perdendo a característica de literatura de utilidade, como a do Realismo, que valorizava as questões cientificistas e a história nacional, em busca de uma identidade própria. 
Porém, não foi somente a Cruz e Souza que o crítico dedicou seus ensaios; a produção artística de outros escritores bem menos prestigiados também fora material de seu estudo. Em Três Romancistas do Norte, o crítico retoma três escritores esquecidos, Rodolfo Teófilo (cearense); Xavier Marques, (baiano) e Pápi Júnior, (carioca, porém morador do Ceará). Nestor Vítor faz uma breve descrição da produção dos três e da estética que ambos defendiam, contudo, é sobre o aspecto da valorização desses romancistas adormecidos pela crítica que a análise se desenrola. Para o crítico, o panorama literário brasileiro era deficiente, porque não abarcava os outros estados, somente valorizando aquilo que se produzia no sudeste, em especial no Rio. 
No Brasil, por enquanto, as vias de comunicação para as relações de ordem intelectual são muito deficientes, mais cheias de hiatos e de vícios do que os caminhos marítimos e terrestres para as comunicações de comércio e de indústria. (VÍTOR, 1969, p. 170)

Logo, não era fácil o trabalho de Nestor Vítor, afinal sua crítica literária vinha de uma visão dissonante da positivista/realista/parnasiana daquele momento, fazendo  uma verdadeira ruptura com o objetivismo acadêmico dos críticos de então. 
Em cartas a Emiliano Pernetta no ano de 1911, editadas e organizadas por Cassiana Lacerda Carollo (1976), temos a real noção de como o crítico se preocupava com os novos escritores ou os escritores esquecidos pela metrópole carioca, que é o caso de Emiliano Pernetta, cuja aceitação no Rio não foi a mesma de Curitiba. O crítico então lhe dedica um extenso ensaio para promover suas obras, assim como faz com outros artistas novos ou esquecidos. No trecho abaixo, retirado de uma carta a Pernetta de 18 de junho de 1911, percebemos o valor que Vítor atribuiu ao poeta e sua obra, logo esse mesmo valor será publicado em um estudo de mesmo ano sobre o poeta, que foi incluído pela Fundação Casa de Rui Barbosa no 1º volume da Obra Crítica de Nestor Vítor, em 1969.
Não te importes com o que o mundo ainda possa achar para babujar teu valor: tu és um príncipe intellectual, justificas agora plenamente a convicção q' todos q' bem te conheciam tiveram sempre de teu grande talento, de tua natureza exquisita natureza essencialmente irregular, mas tão aristocrática, tão fina, cheia de tantas nobrezas, de tão bellos e tão honrosos traços afinal. Eu espero q' sejas muito bem recebido; pelo menos não pode ser de outro modo por parte daquelles que saibam ver, que saibam sentir, que amem a Poesia onde quer e em quem quer que ella se manifeste irrecusável. Tens na Illusão poemas que Beaudelaire assignaria, offereces pequenas jóias cuja maravilha faz lembrar as raras realizações perfeitas de Mallarmé. (VÍTOR apud CAROLLO, 1975, p. 310)

Nestor Vítor deixa clara sua crítica favorável a Pernetta e declara sua intenção em inserir o poeta na geração que pertencia, objetivando o sucesso de seu livro Ilusão e o prestígio do autor. 
Esta é uma das grandes alegrias da minha vida: concorrer para a justa glorificação de mais um companheiro, tanto mais sendo daquelle q' primeiro me iniciou nos segredos da Arte que eu tenha podido apresentar. Vou ler-te e reler-te demoradamente. Não precipites a sahida do livro. Quando eu tiver feito meu trabalho te direi. Tu depois hás de vir ao Rio. É preciso que te faças conhecer pessoalmente pela geração de agora. Combinaremos isso, espero eu, quando eu fôr até a nossa Curitiba. (VÍTOR apud CAROLLO, 1975, p. 311)

O crítico e também amigo ambiciona exaltar a Ilusão de Pernetta, para colocar em evidência a geração que nascera em sua terra natal, Paraná. Assim, podemos constatar isso em sua carta de 22 de agosto de 1911, dirigida ao poeta. 
Quando vieres, não deixes de trazer contigo um bom número, pa. que não haja queixosos, com mais ou menos fundamento. Tenho pedido aos rapazes q' se preparam pa. escrever sobre a Ilusão o obsequio de espalharem seu artigos o quanto puderem, não só escrevendo pa. aqui mas pa. S. Paulo Pernambuco, Bahia, etc. Tenciono mesmo mandar alguns exemplares pa. uns poucos camaradas que tenho fora daqui e q' estão em condições de ajudamos na propaganda. Teu livro veiu tomar bem patente que a nossa geração ainda está de pé, e tudo indica que daqui por diante não poderão mais conseguir abafa-la, pelo contrário q' ella terá um crescente predomínio na hora. (VÍTOR apud CAROLLO, 1975, p. 316, grifo da autora)

A compreensão do crítico com os novos artistas deve-se à sua visão além de seu tempo, que não se prende a verdades de uma dada época, pois entende a efemeridade das coisas e da vida, como afirma no trecho abaixo: 
Nós outros, os homens, ou ainda não representamos nosso tempo na altura necessária ou já somos um pouco a personificação do passado, incapazes de refletir a vida na sua incessante transformação. (VITOR, 1913, p. 394)

O trecho destacado foi retirado de seu livro Paris: impressões de um brasileiro, no qual o autor  trata  da  ambiguidade   presente  nos  relatos  de   viagem  e  apresenta a movimentação existente no espaço e no tempo. Uma narrativa de viagem, que parte da periferia para o centro, desempenhando a função, segundo Nestor Vítor de:
[...] mostrar à França que o mundo se estende além de suas fronteiras, e que o fato de esquecê-lo é o propósito mais ininteligente, mais funesto em que ela poderia se assentar; dizer-lhe que a nossa era não é dos que se deixam ficar extáticos, na contemplação do próprio umbigo, mas antes dos povos modestos, entretanto ativos, curiosos, compreensivos, assimiladores, que se completam, ou pelo menos que se armam segundo é mister nesta civilização agonal e transitória. (VITOR, 1913, p. 415)

Assim, para o crítico a narrativa de viagem teria a função de dialogar com o outro, demonstrando um interesse pelo outro e estabelecendo uma relação. Deste modo, seus textos têm uma visão transnacional, distanciando-se dos elementos nacionais e procurando interpretar as sensações do sujeito enquanto artista ou da própria arte, criando um diálogo entre matriz e periferias. Por isso, procura manter um distanciamento da nação francesa e escreve seu texto “Paris: impressões de um brasileiro no Brasil”, quase quatro anos após o seu retorno. 
É possível perceber questões nacionalistas na crítica nestoriana, no entanto, esta é totalmente distinta da literatura nacionalista em voga no século XIX e no começo do XX. O nacionalismo de Nestor Vítor e a afirmação da identidade estão presentes na relação que tem com os elementos regional e racial, pois para ele esses elementos são os principais para se construir uma nova cultura, a cultura americana. O crítico vê no hibridismo cultural e na mistura de raças a possibilidade de uma cultura local, porém globalizada. Ele pensa na nação para além do nacionalismo ou do cosmopolitismo, incluindo-a no mundo, fazendo uma crítica fora de seu tempo. A autonomia cultural, então, se impõe por meio da heterogeneidade da nação brasileira. 
Vemos em seus textos uma forte crítica ao nacionalismo exacerbado, como em Os Desplantados, que escreveu em 1898 para a recém-publicada obra de Maurice Barrès. A crítica ao nacionalismo de Barrès está presente em todo o texto, como vê-se no trecho a seguir, no qual Nestor Vítor declara seu descontentamento com a obra, afirmando inclusive que o leitor se cansaria dela. Contudo, o crítico não é radical e reconhece que há “páginas vivazes e heroicas”.   
O fim premeditado, o fim confessado do livro é constructivo : Os Desplantados são a primeira parte que se publica de uma trilogia que Maurice Barres intitulou : O Romance da Energia Nacional. As outras duas se chamarão : O Appello ao Soldado, O Appello ao Juiz. No entanto não haverá um leitor que ao percorrer esta primeira se não sinta lasso, descoroçoado, abatido, apezar de haver ahi, por intermittencias ás vezes largas, tantas paginas vivazes e heróicas, como são quase todas as que eu pude no presente trabalho resumir. (VÍTOR, 1901, p. 62) 

Vitor apresenta, logo após o trecho explicitado, a construção da obra de Barrès. 
Maurice Barres, n'este livro, apontando as diversas causas da dissociação e decerebração da França, por elle affirmadas, insiste particularmente no fenômeno que lhe deu o titulo da obra, o da transplantaçâo do provinciano para Pariz, que priva os melhores especimens de cada geração das condições em que elles poderiam expandir-se como cidadãos, tirando-os do solo que lhes era próprio e lançando-os no quartier-latin, esse bazar intellectual, e na Universidade, onde respiram uma atmosphera feita de todas as raças e de todos os paizes, em que mestres eminentes, bibliothecas enormes lhes offerecem desordenadamente todas as affirmativas e todas as negações. (VÍTOR, 1901, p. 63)

Em seguida, expõe o motivo pelo qual esta obra não é de seu agrado:
E' futil, afinal, escrever-se um livro em Pariz com o fim de dizer aos provincianos de França que é um grande perigo para elles pessoalmente, mas principalmente para a individualidade collectiva da Pátria, não já que elles emigrem do paiz, mas que se desarraiguem do solo litteral em que estava assentado o berço onde elles primeiro vagiram. Nenhuma das grandes vozes que se fizeram ouvir em França e que a constituíram gloriosa como ella é, lhes falou d'esse perigo jamais. (VÍTOR, 1901, p. 64)

Notamos que a defesa de Barrès para que os provincianos permaneçam em suas províncias, não se desarraigando de suas terras natais, porque isso seria prejudicial à individualidade da pátria, soa para Nestor Vítor como algo inútil. Desta forma, o crítico discorda veementemente do nacionalismo segregador de Barrès, pois considera não haver “grandeza sem expansão” e que o autor “não partiu da causa para o effeito, mas do effeito para a causa” (VÍTOR, 1901, p. 66).
 Percebemos, então, que a crítica de Nestor Vítor revoluciona o cenário crítico literário de seu tempo, porque mexe com a sociedade brasileira, apresentando uma estética autônoma e promovendo artistas marginalizados, tornando-se representante da crítica do movimento simbolista e um dos seus raros divulgadores. 
Bosi reconhece que havia necessidade de uma crítica simbolista que viesse a valorizar o movimento desprestigiado e afirma que “foi do interior do movimento que nasceram os critérios conaturais aos valores encarecidos por seus poetas” e “daí, terem sido militantes simbolistas seus melhores críticos: Gonzaga Duque e Nestor Vítor”. Assim,  termina ressaltando a importância de Nestor Vítor para o movimento, “mas é só com Nestor Vítor que a corrente encontra o seu claro espelho” (BOSI, 1994, p. 295).  Ainda com Bosi, notamos o mérito do crítico e poeta, assim como seu papel significativo para a literatura do país.
Com efeito, tudo o predispunha a esse papel: a vibrátil, expressa nos versos decadentes de Transfigurações (1902), nas novelas de Signos e nas páginas sobre a cidade de Paris (Paris, 1911), que lhe valeram do insuspeito Sílvio Romero o elogio de “no gênero, o mais complexo dos escritores brasileiros”, a preferência absoluta que dava às leituras apaixonadas e individualistas (Nietzche, Ibsen, Maeterlinck, do qual traduziu A Sabedoria e o Destino); enfim, o espiritualismo e o intimismo inerentes à sua concepção de poesia. (BOSI, 1994, p. 296)

A importância de Nestor Vítor para a literatura brasileira e para o movimento simbolista consiste na forma com que encara a literatura. O poeta não visa uma construção literária fechada e leva em conta a experiência sociohistórica. 
Vemos que, consoante ao movimento que representa, Nestor Vítor ia contra o Realismo por sua natureza cientificista. O poeta e crítico simbolista tinha por intuito tirar a poesia e o olhar da crítica do lugar comum. Isso porque não tinha medo de ousar, criar e enfrentar qualquer risco em busca da estética que reconhecia como literária. Usando o gênero ensaio como recurso para fazer novas reflexões, seu intento era trazer à tona a filosofia de uma arte ideal e de uma cidade ideal. 
Seus ensaios se desdobraram e tornaram-se obras críticas que traduzem uma voz que segue em oposição ao discurso crítico que vigorava. O escritor, então, deixa para a literatura brasileira uma produção literária extensa conforme Tasso da Silveira, que inclui: 
 (...) sete volumes de crítica: Cruz e Souza, A Hora, Três Romancistas do Norte, Farias Brito, A Crítica de Ontem, Cartas à gente nova, Os de hoje; dois de viagem: Paris e Terra do Futuro; três de ensaio: O Elogio da Criança, Folhas que ficam, O Elogio do Amigo; dois de poemas: A Cruz e Souza, Transfigurações; um de conto: Signos; dois de ficção: Amigos e Parasita. (SILVEIRA, 1963, p. 7)

Através da análise de suas obras é possível evidenciar uma tomada de posição a favor de uma nova crítica e uma nova concepção do papel da literatura e da crítica literária. Percebe-se que os ensaios e a crítica de Nestor Vítor assumem um tom impressionista, diferenciando-se do objetivismo dos demais críticos: 
Para a crítica de nossos dias, toda fundada sobre a objetividade pura da obra d’arte considerada como simples estrutura formal, os ensaios de Nestor Vítor pouco antes referidos passarão, talvez, como exercícios dessa crítica impressionista hoje tão menosprezada. (SILVEIRA, 1963, p. 9)

A voz que era dissonante da crítica positivista da época tentaria colocar o Simbolismo num outro lugar, legitimando o discurso do movimento que participava através de seus ensaios. 
Há, então, uma mudança na visão dos críticos finisseculares brasileiros sobre o Simbolismo. Antonio Candido afirma que Silvio Romero escreve um ensaio, em 1889, intitulado “Os Simbolistas”, para o livro Primícias, de Carvalho Aranha, e depois o inclui em seus Estudos de Sociologia e Literatura, de 1901, no qual admite a chegada de uma nova estética poética:
Quanto ao simbolismo, o desnorteamento é completo. Geralmente o pintam como uma reação mórbida do idealismo, uma espécie de faquirismo ocidental nos domínios da arte, uma coisa aérea, sem nervo, sem sistematização, sem saber o que quer. (...) A arte simbólica justifica-se por si mesma. Toda a grande poesia foi sempre obscura, ensombrada e até mística. (ROMERO apud CANDIDO, 1978, pp. 158 e 159)

É em sua obra Evolução do lirismo brasileiro (1905) que Silvio Romero rende elogios à poética de Cruz e Souza, considerando-o “o ponto culminante da lírica brasileira após quatrocentos anos de existência” (ROMERO, 1953, p. 1825), além de dar ao crítico do movimento simbolista Nestor Vítor mérito pela divulgação da poesia de Cruz e Souza, mesmo após a sua morte:
Devemos à delicadeza do Sr. Nestor Vítor, grande amigo do poeta e que se encarregou de publicar-lhe as obras póstumas, a ventura de ler os manuscritos do ilustre morto, que nos é hoje plenamente conhecido. O que achamos de mais notável nas poesias de Cruz e Sousa é fácil de ser dito em poucas palavras. Em primeiro lugar, ressaltam de todas as suas composições uma elevação d'alma, uma nobreza de sentimentos, uma delicadeza de afetos, uma dignidade de caráter que nunca se desmentem, nunca se apagam. Daí, como segunda qualidade apreciável, a completa sinceridade do poeta: este não faz cantatas a condessas e duquesas, nem entoa fingidas ladainhas a santas... Inspirados pela natureza, pelo infinito cenário do mundo exterior, ou pelas peripécias da vida, pelos atritos da sociedade, ou pelas dores intimas de seu coração, os seus versos são sempre simples, espontâneos, sinceros, como as confissões de uma alma limpa e digna. Nada de pose. Outra qualidade da arte de Cruz e Sousa é o poder evocativo de muitas de suas poesias. Ele não descreve nem narra. Em frases vagas, indeterminadas, aparentemente desalinhadas, sabe, por não sabemos que interessante e curiosa magia, atirar o pensamento do leitor nos longes indefinidos, sugestionando-lhe a imaginativa, fazendo-o perder-se nos mundos desconhecidos, sempre melhores do que aquele em que vivemos. (...) A filosofia que transuda da poesia de Cruz e Sousa, é a de um triste, mas um triste rebelado; é o pessimismo, última flor da civilização humana. (ROMERO, 1953, p. 1823-1825)

    Mas Silvio Romero parece mesmo ter se rendido ao poeta Cruz e Souza, pois termina sua crítica ao Simbolismo demonstrando sua preferência pelo poeta:
Para findar: o Simbolismo, nome por certo mal escolhido para significar a reação espiritualista que neste final de século se fez na arte contra as grosserias do Naturalismo e contra o diletantismo espicurista da arte pela arte do Parnasianismo, é, nas suas melhores manifestações líricas, uma volta, consciente ou não, ao Romantismo naquilo que ele tinha de melhor e mais significativo. No Brasil, porém, para que ele caminhe e progrida, será preciso que, deixando de lado as ladainhas de Bernardino Lopes e Alphonsus de Guimaraens, deixando, em suma, as afetações d' Os simples, prossiga na trilha que lhe foi aberta por Cruz e Sousa, não o Cruz e Sousa da prosa abstrusa do Missal e das Evocações, porém o Cruz e Sousa dos Faróis e dos Últimos Sonetos, e essa há de ser uma das mais belas porções da lírica nacional, que irão ainda florescer nos primeiros anos do século que vai entrar. (ROMERO, 1953, p. 1826)

    José Veríssimo também apresenta outro olhar para o movimento no início do século XX. O crítico, que não mencionou o movimento em sua historiografia literária, agora discorre sobre a estética. Assim, em 1901, Veríssimo publica a primeira série de Estudos de Literatura Brasileira; um dos seus ensaios é dedicado ao Simbolismo, “Um romance simbolista / A Giovanina, do Sr. Afonso Celso”. Veríssimo declara em seu ensaio que: 
Se a literatura é o meio pelo qual o homem se define, a pintura é a expressão de uma época, claro é que esse modo, essa pintura, essa forma de expressão hão de mudar e variar conforme as variações e mudanças dos homens, das sociedades, dos tempos. E como às variações de fundo correspondem variações de forma, e às modificações de pensamento, modificações de linguagem, cada época e pois cada sociedade e portanto cada homem emprega uma forma particular de definir-se. (VERÍSSIMO, 1976, p. 74)

    Para Veríssimo a arte muda em conformidade com a época em que surge, portanto para que uma dada manifestação seja aceita ela precisa se adequar às regras de legitimação deste tempo. Desta maneira, a falta de aceitação e receptividade simbolista no Brasil deve-se a não correspondência de sua estética à proposta identitária nacionalista de seu tempo, que se inicia com o Romantismo e continua com o Parnasianismo na poesia e o Realismo na prosa, manifestada através de uma estética que valorizava o real, o material e o racional.
Portanto, é por meio da recuperação da estética simbolista e principalmente da recuperação dos escritores marginalizados por não atenderem às expectativas socioliterárias em voga, que o crítico será reconhecido na História da Literatura Brasileira. A análise da “tomada de posição” e da “cenografia” de Nestor Vítor irá contribuir para que o Simbolismo se estabeleça no campo literário brasileiro. Porém ainda nos parece incipiente. É esta lacuna que tentamos modestamente preencher aqui.

REFERÊNCIAS
AMORA, Antonio Soares. Presença da Literatura Portuguesa - O Simbolismo. São Paulo: DIFEL, 5ª ed, 1961;
BALAKIAN, Anna. O Simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 1985;
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Editora Cultrix, 1994.
CANDIDO, Antonio. Presença da Literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2ª ed., 1987;
______. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 4. ed. São Paulo: Martins, 1971. 2 v. 
______. Seleção e apresentação. Sílvio Romero: teoria, crítica e história literária. São Paulo: EDUSP, 1978. p. 158-159.
______. Educação pela noite: a educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. p. 10-22.
CAROLLO, Cassiana Lacerda. Correspondência inédita de Nestor Vítor dos Santos a Emiliano Pernetta (II) 1913 – 1914. Organização e Notas: CAROLLO, Cassiana Lacerda. Curitiba: Letras, 1976. p. 421-432.
LACOMBE, Américo Jacobina (presidente). Obra Crítica de Nestor Vítor. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Fundação Casa de Rui Barbosa, v. 1, 1969;
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade nacional. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
SILVEIRA, Tasso da. Nestor Vítor, Prosa e Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1963;
VENTURA, Roberto. Estilo Tropical. São Paulo: Cia das Letras, 1991;
VÍTOR, Nestor. Transfigurações. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1898.
______. Folhas que ficam: emoções e pensamentos (1900-1914). Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo, 1920.
______. Obra crítica. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1979. v.3.
______. Paris: impressões de um brasileiro. 2. ed. corr. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1913.
______. Romances. O Globo, Rio de Janeiro, mar. 1927.
ZILBERMAN, Regina. História da literatura e literatura nacional. In: Literatura e Identidades. Org: José Luís Jobim. Rio de Janeiro: Uerj, 1999. p. 23-55.

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