11/07/2025

“O Professor e a Distância”: reflexão sobre desacertos e futuro

Heitor Baltazar

Com algum atraso, deixo aqui meus dois centavos sobre a formação de professores e a educação a distância, dois temas que têm causado arrepio e desconforto nos profissionais da Educação e nos alunos.

A tragédia clássica tem alguns elementos-chave que formam sua estrutura. Dessa vez, não somos meros espectadores e é impossível não dizer que não estamos no elenco de mais um capítulo de “O Professor e a Distância”, uma obra escrita a muitas mãos, alguns problemas e pouco clímax.

O prólogo: corre a bocas pequenas – sim, pois chegamos ao disparate de ficarmos à mercê de atoardas, boatos e especulações – que o Ministério da Educação, depois da terceira prorrogação do prazo para publicação das novas regras para a Educação a Distância, vai enveredar por um caminho complicado (para não dizer perigoso). Ninguém sabe com certeza o que vai mudar e qual o impacto regulatório para as organizações que ministram cursos na modalidade EAD, sejam credenciadas como Instituições de Ensino Superior ou não. O grande foco, ao que parece, são as Licenciaturas (ou, para mantermos a terminologia regulatória atual, “formação inicial em nível superior de profissionais do magistério da educação escolar básica”).

O párodo: O Parecer CP/CNE nº 5, aprovado em 11 de março deste ano e ainda não homologado, foi publicado com o objetivo de colmatar dúvidas e desentendimentos sobre a aplicação da Resolução CP/CNE nº 4, de 29 de maio de 2024, e o alinhamento dela às outras regras preexistentes. Um documento que traria respostas a perguntas direcionadas ao CNE trouxe mais incerteza e, podemos dizer, medo às IES no que se refere ao atendimento à legislação.  

Os episódios. O exemplo mais problemático é sempre o da Educação Física. O aluno entra em uma “Graduação em Educação Física” e, durante o curso, no quarto semestre, escolhe o caminho a ser percorrido – bacharelado ou licenciatura. É o que permitem as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso, definidas pela Resolução CES/CNE nº 6, de 18 de dezembro de 2018. Em termos financeiros, tem sido contraproducente, para dizer o mínimo, uma IES com 80 vagas ter que manter uma turma de três licenciandos e outra com 77 bacharelandos. Outra dificuldade, esta acadêmica, é que a Resolução das licenciaturas exige que o estágio curricular seja iniciado logo no primeiro semestre – como conciliar isto às DCN de Educação Física, que estabelecem uma “etapa comum” aos dois graus e define uma “etapa específica” para bacharelado e outra para a licenciatura? Qual a garantia jurídica real da “revogação tácita” dos dispositivos normativos anteriores incompatíveis com a Resolução CP/CNE nº 4/2024, citada pelo Parecer CP/CNE nº 5/2025?

Aliás, o estágio supervisionado nos cursos de formação de professores está aberto a discussão mediante consulta pública com texto de referência, um projeto de resolução. Vale a leitura e a manifestação das IES, das associações e sindicatos e, muito especialmente, dos próprios professores.

O “elefante na sala” nunca é mencionado. A tão buscada “valorização dos professores”, que é o alvo desse imbróglio regulatório, não tem passado pela principal discussão: a salarial. Quando os salários dos professores de ensino básico, tanto das escolas públicas quanto das privadas, forem verdadeiramente competitivos, a busca pelas licenciaturas não será pelo preço do curso, mas pelo valor da profissão. Futuramente, isso talvez impeça comentários infelizes de autoridades de que “ser um professor é ter quase que uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”.

A Educação a Distância não passou a existir em 1996, com o art. 80 da LDB. O Telecurso começou em 1977. Lembra do Instituto Monitor? Iniciou suas atividades em 1939. O educador e o educando já estão acostumados com o processo assíncrono de aprendizado. A ação do estado em regulamentar não é apenas importante, mas indispensável para garantir validade e segurança jurídica, mas esta regulamentação deve ser amplamente discutida e contar com a participação das partes interessadas. Não temos visto isso – pelo menos não por iniciativa do MEC.

Por exemplo, foi pela imprensa que descobrimos outra marrada do MEC em direção à Educação a Distância, desta vez no curso de Enfermagem, sob a justificativa de “melhorar a qualidade” dos cursos. Vamos falar de qualidade, então. Se formos diretamente para a ISO 9000, qualidade é o “grau em que um conjunto de características inerentes a um objeto satisfaz requisitos”. Os requisitos são os indicadores do Instrumento de Avaliação de Cursos do INEP; o “objeto” é o curso; as “características” são os critérios de análise; o “grau” é o conceito. Pronto, temos definido o panorama de qualidade na Educação Superior. A promessa de um novo marco regulatório (acompanhado de novo instrumento de avaliação – ou seja, novos requisitos - o que, em cadeia, mudaria todo esse panorama) trouxe incerteza. O instrumento atual já traz indicadores exclusivos para cursos a distância. Que diferença prática e valorosa (não há porque trazer mudanças tão grandes sem agregar valor ao processo como um todo, certo?) teríamos com um instrumento próprio para cursos a distância e outro para cursos presenciais?

Estamos falando de licenciaturas e saúde - ai dos corajosos que falarem em Educação a Distância na graduação em Direito. Imaginem, duas universidades (quer dizer, IES dotadas do mais alto nível de autonomia acadêmica) sofreram pressões tão fortes - uma delas, a PUC Minas, chegou a passar por processo de supervisão por quatro anos (!) - por conta da audácia, vejam só, de desejarem cursos de Direito EAD. Ora, tudo que é teórico pode ser ministrado a distância, e a sincronicidade usada por várias instituições em diversos cursos das Ciências Sociais Aplicadas ainda derruba essa distância tão irremediavelmente temida por um certo órgão de fiscalização de profissão, cujo papel no processo de autorização desse curso é opinativo, sendo o parecer final responsabilidade da SERES.

A IES é polo passivo das funções estatais de regulação, supervisão e avaliação, mas precisam se manter presentes, através de manifestações públicas, representação forte e inovação.

Ainda não ficou claro quem quer alijar culpas e responsabilidades; se é o Ministério da Educação, ao jogar tudo no mesmo balaio e não separar o joio do trigo (isto é, quem praticamente vende diploma como biscoito em prateleira daqueles que fazem educação a distância de qualidade e com foco na melhoria do ensino básico nacional) ou o setor, ao não assumir proativamente o papel, próprio da IES, de formar professores da melhor forma possível e alegar pressão e ameaça de supervisão do MEC - quem haveria de ser o protagonista e o antagonista?   

O êxodo. Para a catarse do público e a conclusão da obra: quanto do que conhecemos como Educação a Distância vai realmente mudar? “Lugares e tempos distintos” serão de fato substituídos pela “presencialidade”? E as licenciaturas? Essas mudanças e orientações vão realmente permitir que o licenciado saia da IES bem formado e que as prefeituras e os estados paguem o que verdadeiramente lhes é devido? Só nos resta aguardar e torcer para que o ensinamento moral da tragédia grega seja maior do que o próprio castigo dos deuses.

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