11/11/2015

O SER PROFESSOR NA PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS INGRESSANTES NA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

 

TO BE TEACHER IN PERCEPTION OF THE ACADEMIC ENTRANTS IN DEGREE IN PHYSICAL EDUCATION

 

Hugo Norberto Krug[1]

Victor Julierme Santos da Conceição[2]

Cassiano Telles[3]

Rodrigo Rosso Krug[4]

Patric Paludett Flores[5]

                                                                                                            Marilia de Rosso Krug[6]

 

RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar as percepções de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre o ser professor. Caracterizamos a pesquisa como qualitativa descritiva e estudo de caso. O instrumento para a coleta de informações foi um questionário sobre os seguintes temas: a) os motivos da escolha do curso; b) os significados de ser professor; c) os saberes necessários à docência; d) a certeza ou não do ser professor; e) as implicações da decisão do ser professor para a vida pessoal e profissional; e, f) as pretensões de mercado de trabalho. A interpretação das informações foi à análise de conteúdo. Participaram do estudo 21 acadêmicos ingressantes do referido curso. Concluímos que os acadêmicos ingressantes estudados possuem, de forma geral, uma percepção sobre as temáticas do estudo, possivelmente, advindas do tempo de alunos da educação básica e que estas visões estão, de forma geral, em consonância com acadêmicos concluintes da graduação. Esse fato impulsiona para dois apontamentos: a formação de um professor começa bem antes de seu ingresso em um curso de licenciatura e que estes não estão a influenciar adequadamente na formação dos acadêmicos.

Palavras-chave: Educação Física. Formação de Professores. Formação Inicial. Ser Professor.

 

ABSTRACT

The objective of this study was to analyze the perceptions of academics entrants of a degree course in Physical Education at a public university in southern Brazil about the to be teacher. We characterized the research as descriptive qualitative and case study. The instrument for the colection of information was a questionnaire about the following themes: a) the reasons for choice of the course; b) the meaning of to be teacher; c) the knowledge necessary for teaching; d) the certainty or not of the to be teacher; e) the implications of the decision of to be teacher for personal and professional life; and f) the claims of the labor market. The interpretation of the information was the content analysis. Participle of the study 21 academics entrants in refer course. We conclude that the academics entrants researched have, in general, a perception about the themes of the study, possibly, arising of the time of schoolchildren of basic education and that these views are, in general, in consonance with academic graduates of the graduation. This fact drives for two notes: the formation of a teacher begins well before of their entry into a degree course and that their aren’t the influence rightly in formation of academics.

Keywords: Physical Education. Teacher Formation. Initial Formation. To be teacher.

 

1 – AS CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: O CONTEXTO DO ESTUDO

Em tempos recentes, segundo Telles et al. (2013, p.2):

 

[a] formação de professores vem obtendo uma posição de destaque nas discussões acadêmicas, profissionais e políticas, observando que se torna muito forte a importância de se ter uma formação inicial que venha a contribuir na preparação para ser docente, e, consequentemente para um ensino de qualidade para os futuros professores que atuarão na escola.

 

Conforme Carreiro da Costa (1994) a formação inicial corresponde ao período que o futuro professor adquire os conhecimentos científicos e pedagógicos e as competências necessárias para enfrentar adequadamente a carreira docente.

Para Telles et al. (2013, p.3) os cursos de licenciatura em Educação Física (EF) no Brasil merecem destaque:

 

[d]evido às recentes transformações que ocorreram em sua estrutura curricular a partir da promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais Para a Formação de Professores da Educação Básica – Resolução CNE/CP n.01 (BRASIL, 2002) e das Diretrizes Curriculares Nacionais Para o Curso de Graduação em Educação Física – Resolução CNE/CP n.07 (BRASIL, 2004), no qual definiu-se a separação das especificidades das áreas licenciatura e bacharelado.

 

Nesta perspectiva, consideramos importante citar Krüger; Cristino e Krug (2007) que destacam que são diversos os desafios postos para o processo de formação de professores e que por isso é necessário valorizar o tempo e o espaço de aprendizagem docente e em particular a autopercepção do futuro professor do seu processo de aprender a ser professor.

Neste direcionamento de ideia, a escuta e a problematização das percepções de futuros professores de EF, mais particularmente de acadêmicos ingressantes no curso de licenciatura, “sobre a profissão docente são fundamentais, pois podem apontar dimensões importantes a serem consideradas em sua formação inicial” (SARMENTO; FOSSATI, 2011, p.47). Dessa forma, segundo Krug et al. (2014, p.188), “torna-se importante desenvolvermos estudos e/ou pesquisas que venham tratar destas questões [...]”.

Assim, embasando-nos nestas premissas anteriormente citadas, formulamos a seguinte questão problemática norteadora deste estudo: quais são as percepções de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre o ser professor?

A partir desta indagação delineamos o objetivo geral do estudo como sendo: analisar as percepções de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre o ser professor. E, para facilitar o atingimento desse objetivo geral elaboramos os seguintes objetivos específicos: a) analisar os motivos da escolha do curso na percepção de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil; b) analisar os significados do ser professor na percepção de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil; c) analisar os saberes necessários à profissão na percepção de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil; d) analisar a certeza ou não do querer ser professor na percepção de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil; e) analisar as implicações da decisão de ser professor para a vida pessoal e profissional na percepção de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil; e, f) analisar as pretensões de mercado de trabalho na percepção de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil.

Justificamos a realização deste estudo acreditando que pesquisas desta natureza podem oferecer subsídios para reflexões que venham a despertar possibilidades de modificações no contexto da formação inicial de professores de EF, bem como possibilitar uma melhoria da qualidade desses profissionais para a atuação docente na escola.

 

2 – OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: O CAMINHO DO ESTUDO

Os procedimentos metodológicos empregados neste estudo caracterizaram-se por uma abordagem qualitativa do tipo descritiva sob a forma de estudo de caso.

De acordo com Triviños (1987) a preocupação fundamental da pesquisa qualitativa é com a caracterização do fenômeno, com as formas que se apresenta e com as variações, já que o seu principal objetivo é a descrição. Segundo Godoy (1995) a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de informações descritivas sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto dos pesquisadores com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação de estudo. Conforme Gil (1999, p.79) o estudo de caso se fundamenta “na ideia de que a análise de uma unidade de determinado universo possibilita a compreensão da generalidade do mesmo ou, pelo menos, o estabelecimento de bases para uma investigação posterior, mais sistematizada e precisa”. Assim, nesse estudo, o caso investigado referiu-se a um determinado curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil.

Neste sentido, a justificativa da escolha da forma de pesquisa qualitativa, descritiva e estudo de caso foi devido à possibilidade de se analisar um ambiente em particular, onde se levou em conta o contexto social e sua complexidade para compreender e retratar uma realidade em particular e um fenômeno em especial, ‘algumas percepções dos acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF’.

O instrumento utilizado para coletar as informações foi um questionário com seis perguntas abertas. Sobre questionário, Triviños (1987) diz que, mesmo sendo de emprego usual no trabalho positivista, também o podemos utilizar na pesquisa qualitativa. Já pergunta aberta “destina-se a obter resposta livre” (CERVO; BERVIAN, 1996, p.138). Assim, as questões que compuseram o questionário estavam relacionadas com os objetivos específicos do estudo sendo as seguintes: 1) quais foram os motivos de sua escolha pelo curso de licenciatura em EF? 2) na sua opinião, qual é o significado de ser professor de EF? 3) na sua opinião, quais são os saberes necessários à profissão? 4) você tem certeza ou não de querer ser professor de EF? 5) na sua opinião, quais são as implicações da decisão de ser professor para a sua vida pessoal e profissional? 6) quais são suas pretensões de mercado de trabalho na EF?

A interpretação das informações coletadas foi realizada por meio da análise de conteúdo, que é definida por Bardin (1977, p.42) como um:

 

[...] conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

 

Ainda para este autor, a utilização da análise de conteúdo prevê três etapas: 1ª) a pré-análise – que trata do esquema de trabalho envolvendo os primeiros contatos com os documentos de análise, a formulação de objetivos, a definição dos procedimentos a serem seguidos e a preparação formal do material; 2ª) a exploração do material – que trata do cumprimento das decisões anteriormente tomadas, isto é, a leitura de documentos, categorização, etc.; e, 3ª) o tratamento dos resultados – que trata da lapidação dos dados, tornando-os significativos, sendo que deve ir além dos depoimentos manifestados.

Participaram do estudo vinte e um acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil. Consideramos acadêmicos ingressantes aqueles matriculados no 1º semestre do referido curso. A escolha dos participantes aconteceu de forma espontânea, em que a disponibilidade dos mesmos foi o fator determinante. Molina Neto (2004) diz que esse tipo de participação influencia positivamente no volume e credibilidade de informações prestadas pelos informantes. Sobre os aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas, colocamos que os envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as suas identidades foram preservadas.

 

3 – OS RESULTADOS E AS DISCUSSÕES DO ESTUDO: AS PERCEPÇÕES DE ACADÊMICOS INGRESSANTES NA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA SOBRE O SER PROFESSOR

Os resultados e as discussões deste estudo foram orientados e explicitados pelos seus objetivos específicos, pois esses representaram as categorias de análise. Essa decisão está em consonância com o que afirmam Minayo; Delardes e Gomes (2007) de que categorias de análise podem ser geradas previamente à pesquisa de campo. Assim, a seguir apresentamos o que expuseram os acadêmicos estudados sobre o ser professor.

 

a) Os motivos da escolha do curso de licenciatura em Educação Física

Nesta categoria de análise sobre a percepção dos acadêmicos estudados relativamente aos motivos da escolha do curso de licenciatura em EF, após a tabulação das informações coletadas, emergiram ‘cinco unidades de significados’, as quais foram descriminadas a seguir.

O gosto pelos esportes’ (dezessete citações) foi a primeira e principal unidade de significado ressaltada. Em relação a esse motivo podemos colocar que vários estudos (SANTINI; MOLINA NETO, 2005; KRUG; KRUG, 2008; MASCHIO et al., 2009; KRUG et al., 2014) já constataram que o gosto pelo esporte é o principal motivo pelo qual às pessoas escolhem a EF como profissão.

Outra unidade de significado ressaltada, a segunda, foi ‘o gosto de ensinar’ (nove citações). Sobre esse motivo mencionamos Krug e Krug (2008) que explicitam que o gostar de ensinar é um dos motivos pelo qual às pessoas escolhem a EF como profissão.

A terceira unidade de significado ressaltada foi ‘a influência do professor de EF da educação básica’ (seis citações). A respeito desse motivo citamos Krug e Krug (2008) que dizem que o professor de EF influencia o aluno, quer como pessoa, quer como profissional, tanto pelo que ensina como pelo que faz, pelo bom exemplo que lhes dá. Portanto, essa influência é de pessoa para pessoa, num interrelacionamento amigo, de compreensão, aceitação e respeito mútuos, levando sempre em conta a personalidade do outro.

Também mais uma unidade de significado ressaltada, a quarta, foi ‘a influência de membros da família’ (duas citações). Quanto a esse motivo apontamos Folle e Nascimento (2009) que afirmam que a influência de familiares no momento da escolha de um curso ligado à docência é um fato comum entre os professores, tanto no Brasil quanto fora dele.

A quinta e última unidade de significado ressaltada foi ‘a identificação com a área e/ou curso de EF’ (uma citação). Esse motivo pode ser embasado em Silveira et al. (2008) que dizem que o motivo que leva um sujeito a escolher um determinado curso está interligado ao querer trabalhar com determinada área.

Ao realizarmos uma análise geral da percepção dos acadêmicos estudados sobre os motivos que influenciaram na opção pelo magistério em EF verificamos cinco diferentes motivos para tal decisão. Entretanto, constatamos que no rol desses motivos ficou evidenciada uma escolha consciente (quando o indivíduo sabe por que está agindo de determinada maneira) dos acadêmicos (dezoito citações) pelo curso de licenciatura em EF (segunda, terceira, quarta e quinta unidades de significados), mas, também, uma escolha inconsciente (quando o indivíduo não sabe por que se comporta de determinada maneira) dos acadêmicos (dezesseis citações), na primeira unidade de significado. Esse fato também foi constatado no estudo de Krug e Krug (2008) e Krug et al. (2014) que pesquisaram os motivos da escolha da licenciatura em EF pelos acadêmicos concluintes do curso. Ainda a respeito dessa situação citamos Santini e Molina Neto (2005) que dizem que escolher uma profissão não é fácil, pois a tomada de decisão é sempre cercada de dúvidas, emoções e influências de diversos aspectos. Entretanto, esses autores ressaltam que, caso a escolha profissional não tenha sido consciente e coerente com os interesses pessoais, a profissão poderá ser exercida com pouca motivação e, ao longo do percurso profissional, poderão surgir situações de desconforto e frustrações que poderão paralisar e deprimir o professor, trazendo-lhe inúmeras implicações pessoais e sociais. Em contrapartida, esses autores destacam que, mesmo não havendo convicção na hora da escolha profissional, é possível, após o ingresso da pessoa no curso de EF, desenvolver competências específicas para o desempenho que o trabalho exige, caracterizando, assim, com o passar do tempo o processo de identidade com o curso escolhido.

A partir desta análise geral inferimos que os acadêmicos estudados possuem, de forma geral, uma variedade de motivos que influenciaram a escolha pelo curso de EF e que demonstraram uma oscilação entre uma escolha consciente e uma escolha inconsciente pela profissão docente.

 

b) Os significados de ser professor de Educação Física

No processo de análise das informações coletadas, consideramos a percepção dos acadêmicos estudados sobre o significado de ser professor de EF como uma categoria de análise que deu origem a ‘sete unidades de significados', as quais foram elencadas a seguir.

Ensinar’ (treze citações) foi a primeira e principal unidade de significado salientada. Esse significado de ser professor encontra sustentação em Nóvoa (1995) que diz que a tarefa básica do professor é ensinar. Entretanto, Cristino e Krug (2007) chamam à atenção de que ser professor não pode se restringir somente ao ensinar, pois sua atuação vai além do espaço da aula, sua capacitação deve permitir uma atuação consciente em todos os espaços educacionais. Assim, tem-se a necessidade de se romper com a concepção da escola apenas como um espaço para se ensinar. Temos que passar a enxergar esse espaço como local de produção de conhecimentos e saberes; um local, onde identidades individuais e sociais são forjadas, onde se aprende a ser sujeito, cidadão crítico, participativo e responsável.

A segunda unidade de significado salientada foi ‘transmitir conhecimentos’ (seis citações). Esse significado de ser professor encontra suporte no ensino tradicional que, para Mizukami (1986), caracteriza-se por depositar no aluno, conhecimentos, informações, dados, etc., pois a educação é entendida como instrução, caracterizada como transmissão de conhecimentos pelo professor. Já segundo Batista e Codo (1999) o papel do professor, em dias mais recentes, não é apenas informar ou transmitir o saber, mas também formar e educar.

Contribuir para a formação corporal e social dos alunos’ (seis citações) foi a terceira unidade de significado salientada. Sobre esse significado de ser professor citamos Betti e Zuliani (2002) que dizem que a EF deve responsabilizar-se por formar cidadãos capazes de posicionarem-se criticamente diante das novas formas da cultura corporal de movimento, podendo, portanto, entender e vivenciar o seu aprendizado, mudando o comportamento e assumindo novas atitudes.

Outra unidade de significado salientada, a quarta, foi ‘ser um profissional competente’ (seis citações). Quanto a esse significado de ser professor apontamos Carreiro da Costa (1988) que evidencia que a maximização dos efeitos educativos decorre da competência do professor, mais especificamente, numa grande parcela, da competência pedagógica revelada pelo professor.

Também mais uma unidade de significado salientada, a quinta, foi ‘estar sempre aprendendo’ (quatro citações). Em relação a esse significado de ser professor nos reportamos a Maschio (2009) que diz que ser professor é um processo de aprender a aprender. Já Garcia (1999) destaca que os professores são sujeitos que aprendem.

Ter consciência das relações professor-aluno e aluno-professor’ (três citações) foi a sexta unidade de significado salientada. Sobre esse significado de ser professor mencionamos Cunha (1996) que afirma que a aula é um lugar de interação entre as pessoas e, portanto, um momento único de troca de influências. Assim, a relação professor-aluno no sistema formal de ensino é parte da educação.

A sétima e última unidade de significado salientada foi ‘ser exemplo/espelho’ (duas citações). Esse significado de ser professor encontra apoio em Torres et al. (2007) que colocam que a postura do professor perante a turma serve de espelho para a formação do caráter dos alunos, pois esses tentam se espelhar nas pessoas que estão a sua volta, e, principalmente, nas pessoas com quem eles se sintam bem. E, por isso o exemplo tem de ser bom.

Ao realizarmos uma análise geral da percepção dos acadêmicos estudados sobre o significado de ser professor de EF verificamos a existência de sete diferentes entendimentos do que é ser professor. Entretanto, constatamos que os significados de ser professor percebidos pelos acadêmicos estudados, mostraram contradições, pois apontaram possíveis visões de educação diferentes. De um lado alguns (maioria) significados (quatro – vinte e sete citações) que coincidem com o papel de professores em uma educação reprodutora da sociedade (primeira, segunda, quarta e sétima unidades de significados) e, de outro, também alguns (minoria) significados (três – treze citações) referentes a uma educação transformadora da sociedade (terceira, quinta e sexta unidades de significados). Segundo Krug (2005a) esse fato retrata o momento da atual formação de professores de EF que oscila entre uma abordagem técnica e uma abordagem transformadora. Já Krug (2005b) destaca que as diferenças entre os significados de ser professor parecem emergir das frequentes crises de identidade dos professores, e de seus cursos de formação, oriundas de mudanças sociais que acontecem rapidamente e exigem dos docentes novos papéis, e, isso leva os acadêmicos à incertezas sobre sua profissão. Ainda Krug (2011) diz que o significado de ser professor está relacionado ao contexto intelectual e social em que os futuros professores estão inseridos, e, como sabemos, a formação de professores de EF, há muito tempo, é influenciada por uma abordagem tecnicista. Goodson (1995) diz que o ambiente sociocultural e as experiências de vida são ingredientes-chave da pessoa que somos, do nosso sentido do eu. De acordo com o quanto investimos o nosso eu no nosso ensino, na nossa experiência e no nosso ambiente sociocultural, assim concebemos a nossa prática e nossos significados.

Diante desta análise, vale lembrar Garcia (1999) que diz que a tomada de consciência dos significados do ser professor devem ser revisitados porque pode haver dissonância cognitiva entre o que pensam os futuros professores e o que o curso de formação inicial preconiza.

Desta forma, diante de tantos significados diferentes representando visões de educação diferentes e porque não dizer opostas, podemos inferir que o curso de formação inicial, particularmente da licenciatura em EF da universidade pública da região sul do Brasil estudada, precisa trabalhar mais a respeito do que é ser professor de EF na escola para que se venha a oferecer uma formação de maior qualidade.

 

c) Os saberes docentes necessários à profissão

A partir das informações obtidas com os colaboradores da investigação, pela análise realizada, observamos o surgimento de ‘oito unidades de significados’ sobre os saberes necessários à profissão, decorrentes das percepções dos acadêmicos estudados, as quais foram elencadas a seguir.

Saber o conteúdo’ (quatorze citações) foi a primeira unidade de significado destacada. Quanto a esse saber nos reportamos a Cunha (1992) que coloca que para se trabalhar bem a matéria de ensino, o professor tem que ter profundo conhecimento do que se propõe a ensinar.

A segunda unidade de significado destacada foi ‘saber uma boa didática’ (onze citações). Esse saber nos remete a Matos (1994) que diz que o professor deve possuir conhecimento pedagógico do conteúdo para poder realizar um trabalho docente eficaz.

Outra unidade de significado destacada, a terceira, foi ‘saber compreender a realidade’ (duas citações). Em relação a esse saber mencionamos Freire (1996) que salienta que “ensinar exige apreensão da realidade” (p.76);

A quarta unidade de significado destacada foi ‘saber lidar com as dificuldades/imprevistos surgidas’ (duas citações). A respeito desse saber citamos Perrenoud (1997) que afirma que ser professor significa saber exercer a profissão em condições muito adversas.

Saber escutar o aluno’ (uma citação) foi mais uma unidade de significado destacada, a quinta. Esse saber pode ser embasado em Cristino et al. (2008) que afirmam que saber escutar os alunos é um dos saberes necessários à prática docente.

A unidade de significado ‘saber se comunicar’ (uma citação) foi a sexta destacada. Relativamente a esse saber apontamos Marcellos (2009) que coloca que a comunicação é, sem dúvida, um dos elementos de maior importância na participação coletiva.

Outra unidade de significado destacada, a sétima, foi ‘saber a abordagem pedagógica a ser seguida’ (uma citação). Referente a esse saber citamos Ilha; Maschio e Krug (2008) que afirmam que as abordagens pedagógicas de ensino representam uma possibilidade de embasar a prática docente, tendo em vista que cada uma delas enfoca alguns princípios indicando formas e estratégias de como desenvolvê-la.

A oitava e última unidade de significado destacada foi ‘saber que precisa se atualizar’ (uma citação). Identificamos esse saber em Barros (1993) que coloca que a sociedade exige serviços específicos e de alto nível na área de EF com acesso a conhecimentos recentes, pois essa desperta novas necessidades e exige serviços de qualidade, sendo necessário que os profissionais de EF dominem esses conhecimentos, portanto há uma necessidade permanente de atualização.

Ao efetuarmos uma análise geral da percepção dos acadêmicos estudados sobre os saberes necessários à profissão verificamos a existência de certa quantidade e diversidade de saberes (oito). Esse fato ressalta o que colocam Montalvão e Mizukami (2002) de que são muitos os saberes inerentes à profissão docente. Também destaca o que dizem Gauthier et al. (1998) de que mesmo que o ensino já venha sendo realizado há séculos, é muito difícil definir os saberes envolvidos no exercício do ofício do professor.

Entretanto, considerando Martins e Rausch (2012) que dizem que o sucesso da profissão docente passa pela constituição de uma trilogia de saberes, isto é, o saber (conhecimento), o saber-fazer (habilidades) e o saber-ser (atitudes), constatamos que a maioria (cinco – dezessete citações) dos saberes apontados pelos acadêmicos estudados estão ligados ao saber-fazer (segunda, terceira, quarta, quinta e sexta unidades de significados) e a minoria (três) aos outros saberes da trilogia, sendo duas (quinze citações) ao saber (primeira e sétima unidades de significados) e uma (uma citação) ao saber-ser (oitava unidade de significado). Esse fato está em concordância com o achado de Telles et al. (2015) que constataram que acadêmicos ingressantes da graduação em EF elencaram como saberes necessários à profissão, em sua maioria, aqueles ligados ao saber-fazer, pois “possivelmente, durante a sua participação na educação básica, tiveram ‘olhos’ para as questões do saber-fazer de seus ex-professores, que deixaram ‘marcas’ em suas compreensões de docência” (p.9-10).

Diante desta análise, vale lembrar Catani et al. (1997) que dizem que os saberes docentes não se formam obrigatoriamente a partir do momento em que os alunos e professores entram em contato com as teorias pedagógicas, mas podem ser encontradas enraizadas em contextos e histórias individuais que antecedem até mesmo a entrada destes na escola, estendendo-se a partir daí por todo o percurso de vida escolar e profissional. 

Desta forma, diante do constatado, podemos inferir que o curso de formação inicial, particularmente da licenciatura em EF da universidade pública da região sul do Brasil estudada, precisa trabalhar mais a respeito dos saberes necessários à docência, pois os acadêmicos ingressantes na graduação estudados valorizam muito mais o saber-fazer em detrimento do saber e do saber-ser, o que, sem dúvida, é uma compreensão equivocada dos saberes docentes.

 

d) A certeza ou não do querer ser professor de Educação Física

A construção do conhecimento, a partir das informações obtidas com os colaboradores da investigação, sobre a certeza ou não do querer ser professor de EF possibilitou a constatação de ‘duas unidades de significados’, as quais foram descritas a seguir.

A primeira e principal unidade de significado salientada foi ‘sim’, isto é, que tinham a certeza de querer ser professor (quinze citações). Sobre essa situação nos reportamos a Gonçalves (1992) que diz que fatores de ordem pessoal e profissional concorrem para a escolha do ensino como profissão, pois esses aspectos estão presentes na escolha da carreira, sendo a predominância de uns sobre os outros, fruto de condições individuais e circunstanciais.

A segunda e última unidade de significado salientada foi ‘indeciso’, isto é, que ainda não tinham a certeza de querer ser professor (seis citações). Relativamente a essa situação citamos Teixeira e Silva (2009) que afirmam que escolher uma profissão é esboçar um projeto de vida e acrescentam que mesmo quando há identificação com a profissão, pode haver ajustes ou mudanças de rumo. Isso porque a cada ano aprende-se coisas novas. Uma mudança não significa fracasso nem frustração, mas aceitar novas propostas.

Ao efetuarmos uma análise geral da percepção dos acadêmicos estudados sobre a certeza ou não do querer ser professor verificamos a predominância da certeza do querer ser professor (quinze citações – primeira unidade de significado), sendo que alguns (seis citações – segunda unidade de significado) estão indecisos. Essa situação está em consonância com o destacado por Valle (2006) de que a escolha pela docência resulta, principalmente, de uma decisão tomada em razão da atração que esta carreira exerce sobre o futuro profissional.

Entretanto, é necessário lembrar Gonçalves (1992) que diz que fatores de ordem pessoal e profissional concorrem para a escolha do ensino como profissão, pois esses aspectos estão presentes na escolha da carreira, sendo a predominância de uns sobre os outros, fruto de condições individuais e circunstanciais.

A partir disso, podemos inferir que além dos fatores pessoais, os fatores profissionais, proporcionando pelo curso de formação inicial, podem e devem concorrer para a confirmação definitiva pela carreira docente pelos acadêmicos ingressantes no curso de licenciatura estudado.

 

e) As implicações da decisão de ser professor de Educação Física para a vida pessoal e profissional

Nesta categoria de análise sobre a percepção dos acadêmicos estudados a respeito das implicações da decisão de ser professor de EF para a vida pessoal e profissional, após a tabulação das informações coletadas, emergiram ‘nove unidades de significados’, as quais foram descriminadas na sequência.

Sentir-se satisfeito fazendo o que gosta’ (seis citações) foi a primeira e principal unidade de significado manifestada. Em relação a esta implicação nos referimos a Feil (1995) que coloca que gostar do que se faz é um fator determinante para que o professor faça bem o seu trabalho.

Ter realização profissional’ (quatro citações) foi a segunda unidade de significado manifestada. Essa implicação pode ser embasada em Xavier (1995) que diz que é preciso que o professor, para dar uma boa aula, sinta-se motivado e motive seus alunos para a prática, pois precisam, ambos, sentir uma auto-realização, e uma perspectiva de proveito atual e futura.

Outra unidade de significado manifestada, a terceira, foi ‘ter que estudar muito’ (quatro citações). Referente a essa implicação citamos Cristino e Krug (2005) que afirmam que a busca permanente pelo conhecimento é fundamental para que os professores possam acompanhar as necessidades dos alunos e do mundo pós-moderno.

A quarta unidade de significado manifestada foi ‘assumir responsabilidades na formação do aluno’ (três citações). A respeito dessa implicação mencionamos Bolzan (2002) que destaca que a tomada de consciência do papel do professor, entendida, como elemento dinamizador do processo de escolarização e, portanto, organizador da intervenção pedagógica a ser implementada, é fundamental, considerando a importância da redimensão das práticas escolares vigentes.

Outra unidade de significado manifestada, a quinta, foi ‘ter de ser bom para ter espaço e vencer na profissão’ (três citações). Essa implicação pode ser justificada por Tardif (2002, p.39) que diz que: “o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às Ciências da Educação e à Pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos”.

A unidade de significado ‘perceber e se contentar com um salário baixo’ (duas citações) foi a sexta manifestada. Sobre essa implicação mencionamos Feil (1995) que salienta que a manifestação de descontentamento salarial do professor provoca um sentimento de mal-estar profissional determinando um fechamento à mudança e às possibilidades de inovações, gerando a alienação e frustração, o que logicamente interfere na qualidade do ensino.

Ter que lidar com alunos tão diferentes’ (duas citações) foi a sétima unidade de significado manifestada. Referente a essa implicação apontamos Perrenoud (1997) que diz que ser professor, hoje em dia, significa, também, se deparar com públicos muito heterogêneos.

Também outra unidade de significado manifestada, a oitava, foi ‘ter um estilo de vida ativo’ (duas citações). Quanto a essa implicação nos fundamentamos em Nahas (2003, p.19) que define estilo de vida como um “conjunto de ações habituais que refletem as atitudes, os valores e as oportunidades na vida das pessoas” (grifo do autor). Este autor complementa dizendo que o “estilo de vida ativo passou a ser considerado fundamental na promoção da saúde e redução a mortalidade por todas as causas” (p.21). “Existem, assim, fatores positivos e negativos no nosso estilo que comprovadamente afetam nossa saúde e bem-estar, a curto e a longo prazo” (p.21).

A nona e última unidade de significado manifestada foi ‘nenhuma, pois se ganhar mal troco de profissão’ (uma citação). Em relação a essa implicação destacamos Teixeira e Silva (2009) que afirmam que não há profissão que dê dinheiro, mas existem profissionais que ganham bem em todas as profissões. Não há garantia de que alguém vai se dar bem. A possibilidade de dar certo na carreira aumenta quando há clareza da escolha, identificação com o curso e conhecimento das diversas possibilidades de ingressar na profissão.

Ao realizarmos uma análise geral da percepção dos acadêmicos estudados sobre as implicações da decisão de ser professor de EF para a vida pessoal e profissional verificamos a existência de uma razoável quantidade e diversidade (nove) das mesmas. Entretanto, o fato que constatamos foi que no rol das diversas implicações oito (vinte e cinco citações) unidades de significados (primeira, segunda, terceira, quarta, quinta, sexta, sétima e nona) estão relacionadas com a vida profissional e somente uma (duas citações) unidade de significado (oitava) está relacionada com a vida pessoal. Essa situação contraria o que destaca Tardif (2002) de que o professor (no caso desta pesquisa, o futuro professor) é um ser existencial, e isto indica que é impossível separar a vida pessoal da vida profissional. Salienta que o professor (ou futuro professor) está sujeito a inúmeras questões que podem interferir na sua atuação profissional e, portanto na construção de sua prática educativa, dentre estas se destaca a família, os grupos de participação, o trabalho. Enfim, ações do eu pessoal e do eu profissional.

Com base nisto podemos inferir que o curso de formação inicial, particularmente da licenciatura em EF da universidade pública da região sul do Brasil estudada, precisa orientar os acadêmicos no sentido de perceberem que existe um entrelaçamento entre si mesmo e a sua profissão. É uma interrelação pessoal-profissional, em que as fases da vida pessoal e profissional se entrelaçam caracterizando-se, segundo Nóvoa (1992), como um processo complexo multimediado, pois envolvem momentos de crises, recuos, avanços, descontinuidades e contradições, que, entendidas de forma construtiva e formativa passam a serem motivos de mudanças e transformações na carreira. Para Krüger e Krug (2006) isto deixa claro que os sujeitos em formação, os futuros professores de EF e o meio social, influenciam-se mutuamente. Portanto, nesta perspectiva, os momentos e as marcas da vida pessoal e profissional estão intrinsecamente relacionadas e determinam o modo como cada indivíduo percebe a si e seu entorno vivencial, acadêmico, profissional e pessoal.

Desta forma, segundo Contreira et al. (2009), os acadêmicos, futuros professores, precisam aprender mais sobre o humano da pessoa e suas interações com os outros, pois, conforme Abraham (2000), o professor é também uma pessoa. E, logicamente, a vida profissional se entrelaça com a pessoal. E, isso também pode ser observado nas palavras de Nóvoa (1995, p.29) “diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice-versa”.

Diante desta análise, vale lembrar Contreira et al. (2009) que destacam que é importante trabalhar com o acadêmico, futuro professor, sobre as implicações para a vida pessoal e profissional da sua decisão de ser professor. 

 

f) As pretensões de mercado de trabalho em Educação Física

A análise das informações coletadas sobre as pretensões de mercado de trabalho na percepção dos acadêmicos estudados permitiu o surgimento de ‘três unidades de significados’, as quais foram descritas a seguir.

Ser professor na escola de educação básica’ (dezessete citações) foi a primeira e principal unidade de significado apontada. Esse fato está em consonância com as Resoluções do CNE/CP n.01 (BRASIL, 2002a) e n.02 (BRASIL, 2002b) que estabelecem que os cursos de licenciatura em EF formam professores de EF para atuar exclusivamente na educação básica/escolar: educação infantil, fundamental e média. Além disso, de acordo com Ilha; Krug e Krug (2009), a aceitação da escola como futuro campo de atuação profissional é uma das contribuições da formação profissional apontada por acadêmicos de licenciatura em EF via Estágio Curricular Supervisionado.

A segunda unidade de significado apontada foi ‘continuar estudando – fazer especialização, mestrado e doutorado’ (seis citações). A respeito desse fato mencionamos Marques (1992) que salienta que a formação profissional em EF não se encerra na formação inicial, e sim, se estende por todo o seu exercício profissional. Destaca que a formação inicial deve despertar o futuro profissional para o enriquecimento pessoal constante, da sempre atualização, da busca de soluções, sendo então assim, um eterno estudioso.

Ser professor universitário’ (quatro citações) foi a terceira e última unidade de significado apontada. E, no sentido desse fato, podemos citar Tavares; Wittizorecki e Molina Neto (2014) que no estudo intitulado “Expectativas de atuação de estudantes ingressantes no curso de EF da UFRGS no ano de 2012” também constataram a existência de acadêmicos que almejam ser professor universitário depois de formados.

Ao efetuarmos uma análise geral da percepção dos acadêmicos estudados sobre as pretensões de mercado de trabalho verificamos um elevado grau de convicção sobre a área em que vislumbram atuar depois de formados, isto é, a escola básica e a universidade, enquanto que alguns ainda não decidiram sobre a atuação profissional, preferindo continuar estudando em nível de pós-graduação. Em relação a essa constatação podemos afirmar que as perspectivas de atuação profissional dos acadêmicos de EF ingressantes não são diferentes dos acadêmicos concluintes da graduação, como bem pode verificar no estudo de Tavares; Wittizorecki e Molina Neto (2014).

A partir desta análise geral podemos inferir que os acadêmicos estudados já possuem, de forma geral, uma percepção da escola de educação básica ou a educação superior serão seus palcos de sua futura atuação profissional.

 

4 – AS CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS: A INTERPRETAÇÃO DO ESTUDO

Salientamos que as conclusões deste estudo não se findam neste momento, porque muitos outros aspectos podem ser levantados e discutidos em relação a este tema. Assim, o que escrevemos aqui são alguns pontos que os participantes trouxeram em seus depoimentos e que achamos significativos para serem apresentados. E, nesse direcionamento de ideia, nos reportamos a Lüdke e André (1986) que salientam que há necessidade de delimitar os focos de análise, pois “nunca será possível explorar todos os ângulos do fenômeno num tempo razoavelmente limitado” (p.22) mesmo se tratando de uma pesquisa do tipo estudo de caso.

Então, neste momento, foi fundamental ressaltarmos que este estudo assumiu como objetivo geral analisar as percepções de acadêmicos ingressantes de um curso de licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre o ser professor e que a partir de agora explicaremos o seu desiderato.

Quanto aos motivos da escolha do curso de licenciatura em EF pelos acadêmicos estudados, identificamos um rol de cinco motivos diferentes para tal decisão, os quais oscilaram entre uma escolha consciente, isto é, quando o indivíduo sabe por que está agindo de determinada maneira, com dezoito citações (‘gosto de ensinar’; ‘a influência do professor de Educação Física da educação básica’; ‘a influência de membros da família’; ‘a identificação com a área e/ou curso de EF’) e uma escolha inconsciente, ou seja, quando o indivíduo não sabe por que se comporta de determinada maneira, com dezesseis citações (‘o gosto pelos esportes’). Essa constatação está em consonância com os estudos de Krug et al. (2014) e Krug e Krug (2008) realizados com acadêmicos concluintes do curso de graduação.

Quanto aos significados de ser professor de EF, percebidos pelos acadêmicos estudados, identificamos um rol de sete diferentes entendimentos, os quais mostraram visões de educação diferentes. De um lado significados que coincidem com o papel de professores numa educação reprodutora da sociedade (‘ensinar’; ‘transmitir conhecimentos’; ‘ser um profissional competente’; ‘ser exemplo/espelho’) com vinte e sete citações e, de outro lado significados referentes a uma educação transformadora da sociedade (‘contribuir para a formação corporal e social dos alunos’; ‘estar sempre aprendendo’; ‘ter consciência das relações professor-aluno e aluno-professor’) com treze citações. Essa constatação está em consonância com estudos de Kronbauer e Krug (2014) e Krug (2011) realizados com acadêmicos concluintes da graduação.

Quanto aos saberes docentes necessários à profissão percebidos pelos acadêmicos estudados identificamos um rol de oito diferentes saberes, os quais em sua maioria (cinco - dezessete citações) estão ligados ao saber-fazer, isto é, às habilidades (‘saber uma boa didática’; ‘saber compreender a realidade’; ‘saber lidar com as dificuldades/imprevistos surrgidos’; ‘saber escutar o aluno’; ‘saber se comunicar’) e a minoria (três – quinze citações) referente ao saber, isto é, ao conhecimento (‘saber o conteúdo’ e ‘saber uma abordagem pedagógica a ser seguida’) e ao saber-ser, isto é, às atitudes (‘saber que precisa se atualizar’). Essa constatação está em consonância com o estudo de Krug e Krug (2010) realizado com acadêmicos concluintes da graduação.

Quanto à certeza ou não do querer ser professor pelos acadêmicos estudados, identificamos um rol de duas diferentes decisões, as quais mostraram a predominância da certeza do querer ser professor (‘sim’) sobre a dúvida (‘indecisos’). Essa constatação está em consonância com o estudo de Krug e Krug (2013) realizado com acadêmicos concluintes da graduação.

Quanto às implicações da decisão de ser professor de Educação Física para à vida pessoal e profissional apontadas pelos acadêmicos estudados, identificamos um rol de nove diferentes implicações, as quais mostraram a predominância quase total das relacionadas com a vida profissional (‘sentir-se satisfeito fazendo o que gosta’; ‘ter realização profissional’; ‘assumir responsabilidades na formação do aluno’; ‘ter de ser bom para ter espaço e vencer na profissão’; ‘perceber e se contentar com um salário baixo’; ‘ter de lidar com alunos tão diferentes’; ‘nenhuma, pois se ganhar mal troco de profissão’) sobre uma única relacionada à vida pessoal (‘ter um estilo de vida ativo’). Esse fato está em consonância com o estudo de Contreira et al. (2009) realizado com acadêmicos concluintes da graduação.

Quanto às pretensões de mercado de trabalho em EF pelos acadêmicos estudados, identificamos um rol de três diferentes pretensões, ou seja, ‘ser professor na escola de educação básica’ (dezessete citações), ‘continuar estudando – fazer especialização, mestrado e doutorado’ (seis citações) e ‘ser professor universitário’ (quatro citações) o que evidenciou um elevado grau de convicção sobre a área de futura atuação. Essa constatação está em consonância com o estudo de Krug (2010) realizado com acadêmicos concluintes do curso de graduação em EF.

A partir destas constatações podemos concluir que os acadêmicos ingressantes estudados possuem, de forma geral, uma percepção sobre os motivos da escolha do curso de licenciatura em EF, os significados de ser professor de EF, os saberes necessários à profissão, à certeza ou não do querer ser professor de EF, às implicações da decisão de ser professor de EF e às pretensões de mercado de trabalho em EF, provavelmente, advindas do tempo de alunos da educação básica. E, nesse sentido, nos referimos a Adams e Krochover (apud NARDI; BASTOS; DINIZ, 2004) que afirmam que os licenciandos carregam visões do que é ser professor (e, logicamente sobre a profissão) adquiridas durante o seu período enquanto aluno na educação básica e que, para responder as situações de aula na universidade, os futuros professores acabam se utilizando de suas experiências prévias adquiridas (NEGRI et al., 2015). Ainda, segundo Negri et al. (2015, p.29):

 

As crenças educacionais se originam enquanto o futuro professor encontra-se na situação de aluno na educação básica. Neste período, através da observação, o aluno constrói formas peculiares de entender o processo ensino e aprendizagem, o papel da escola, além de criar um modelo de professor que perpetua a graduação e que pode ser observado na sala de aula.

 

Bejaro e Carvalho (2003, p.2) destacam que “os licenciandos, quando chegam aos cursos de Licenciatura, trazem essas imagens vivas do trabalho do professor, que raramente se alinham com as orientações desses programas de formação inicial”.

Consequentemente, conforme Negri et al. (2015), para que haja mudanças na forma como os licenciandos vêem à profissão docente, a primeira contribuição seria “torná-los conscientes de que possuem uma formação docente anterior, adquirida ‘ambientalmente’ ao longo dos muitos anos em que, como alunos, estiveram em contato com seus professores” (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2011, p.82).

No entanto, para que isso aconteça, segundo Negri et al. (2015, p.29-30):

 

[...] é necessário que os professores dos cursos de Licenciatura tenham muito claro que os graduandos estão integrados a grupos sociais com representações e concepções de educação. Desta forma, é preciso levar em consideração essas representações que os professores em formação inicial compartilham sobre educação e sobre a profissão docente e, a partir desta análise, propor atividades que possibilitem aos licenciandos compartilharem novos modelos de representações, modificando seus conceitos e opiniões para uma melhor formação acadêmica. Essa dificuldade em levar em consideração as representações dos licenciandos está entre as razões pelas quais a formação de professores por muitas vezes se torna ineficaz, ou não alcança o objetivo das práticas e suas posturas.

 

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