12/12/2016

O TRATADO DE BOLONHA

Dênio Mágno da Cunha*

               Na semana passada esteve entre nós o professor Jorge Olinto Bento, da Universidade do Porto (Portugal), para participar de eventos na capital. Figura ilustre no mundo acadêmico internacional, ligado à educação física, Jorge Bento veio participar de eventos na área da educação. Tive a oportunidade de conhecê-lo no Congresso Internacional de Educação acontecido na Universidade de Sorocaba (SP), em meados do ano passado quando de forma crítica fez uma explanação sobre o ensino universitário.

               Figura miúda, de caráter simples e amistoso, o professor encerra em si um vasto conhecimento, destes que nos encanta e enaltece o humano.

               Estando em Belo Horizonte foi possível encontra-lo em palestra proferida a professores da rede pública estadual acontecida no auditório do Centro Universitário Una, Campus Linha Verde. Mesmo que ainda não nos conhecêssemos pessoalmente, fui recebido com o ânimo de a fins que se encontram depois de um tempo afastado. “Ah! você que é o Dênio, pois não!” disse o professor. E iniciamos conversa sobre nossos amigos em comum e sobre as oportunidades criadas a partir dessa comunhão.

               Antes de iniciar sua apresentação, ficou-nos claro o caráter de Jorge Bento ao recusar que se fizesse a sua apresentação formal. “Para quê? Quanto maior a cauda, maior o risco de vê-la cortada”, expressou ao verificar que havia mais de duas páginas de texto a apresenta-lo.

               Professores presentes ao encontro ficaram boquiabertos diante de tanta sabedoria e citações literárias utilizadas pelo professor na fala sobre a relevância da docência. Uma palestra destas que nos honra assistir e que valoriza sobremaneira a profissão, além de nos dar caminhos e argumentos necessários à defesa de atividade tão ameaçada nos dias atuais. Após, saíram todos a festeja-lo – autógrafos, fotos, selfes – numa alegria imensa. E o professor a todos atendia como se fossem os únicos no mundo. Emoção do lado brasileiro e do lado português.

               Antes deste compromisso, o último em solo brasileiro, Jorge Olinto Bento havia concedido entrevista ao professor Domingos Antonio Giroletti no programa de televisão Interconexão Brasil (BH News).

               Ontem à noite assisti ao programa embevecido pelo prazer de presenciar o encontre de duas mentas brilhantes em um debate inteligente e profundo, mesmo que de tempo reduzido. O tema foi o Tratado de Bolonha que em 1999 celebrou o acordo sobre a reforma universitária europeia.

               O tema não poderia ser mais oportuno neste momento em que se repensa o financiamento da educação; em que a universidade pública e privada se veem, mais uma vez, ameaçada em sua sobrevivência, uma vez solapada no seu aspecto financeiro por uma política de exclusão e contração do investimento em educação a ser implantada pelo governo ponte.

               Jorge Bento esclareceu, em sua entrevista, sobre os males trazidos pelo tratado. Notadamente a mercantilização do ensino superior europeu com a implantação de uma politica e estrutura neoliberal de funcionamento das universidades. Esta política transformou a universidade europeia, antes voltada para o pensamento, em um mecanismo não pensante, produtor de conhecimento medido, regido pela quantidade e não pela qualidade, deduzimos. A partir da reforma, reduz-se a gratuidade, amplia-se o ensino pago; reduz-se o tempo de estudo; criam-se ciclos formativos básicos unificadores do pensamento; criam-se barreiras ao pensamento crítico, também deduzimos pela fala do professor. Passa a valer os “rankings e os papers como valores da educação” em detrimento da pesquisa e da formação humanista.

               Retrato que vemos acontecer no Brasil.

               Curiosamente, indagado sobre a comparação entre a universidade americana e a universidade europeia, Jorge Bento nos diz: “a universidade americana está a fazer a volta aos valores do pensamento” perdidos no tratado de Bolonha pelas universidades europeias, fazendo o caminho inverso. Procuram-se pessoas que saibam pensar; deseja-se o conhecimento da filosofia, da sociologia, da antropologia como atributos inerentes, complementares e fundamentais ao técnico, interpretamos através da fala do professor.

               Seguindo a postura de Jorge Bento, não colocaremos aqui informações sobre a sua alta categoria, deixando o leitor fazer por ele mesmo essa constatação, em pesquisa. Publicamente, agradecemos ao professor a recepção, suas palavras inspiradoras da emoção e seu conhecimento a nos avisar que é preciso estar atento para não sucumbirmos diante de um pensamento utilitarista comercial que domina a universidade.

               Esta coluna, por pequena que seja, cerra fileira ao lado do professor Jorge Bento e de outros que lutam contra a coisificação da educação, na certeza de valores como a ética, a qualidade, a pesquisa, a crítica, a geração de conhecimento e o livre pensar como aqueles que nos possibilitarão ter uma geração futura transformadora.

               A entrevista do professor Jorge Olinto Bento ao professor Domingos Giroletti poderá ser vista a partir da próxima semana no Youtube (procure por interconexão Brasil ou Domingos Giroletti) e ainda está em exibição na programação da emissora em horários diversos (NET, Canal 9). Anote na agenda para assisti-la pela internet ou corra para assisti-la pela TV, ainda há tempo e vale a pena.

* Dênio Mágno da Cunha, Doutor em Educação pela Universidade de Sorocaba, professor em Carta Consulta e Uma.

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