19/09/2016

ORDEM E PROGRESSO - (A continuação)

Dênio Mágno da Cunha*

No texto anterior falei sobre a relação entre razão e emoção e em como a nossa educação é cheia de razão e carente de emoção, comparando um pouco com a educação finlandesa. Me pareceu, numa primeira impressão a partir do que tenho lido e visto, terem os alunos de lá, mais domínio sobre o objeto do estudo. Assim como pude perceber pela entrevista da ministra da educação, terem também os professores a liberdade de usarem seus conhecimentos de modo mais próximo aos interesses de seus alunos.

Bem, fiz uma experiência – embora não tenha sido bem assim – de propor a alguns alunos meus uma forma diferente de relacionamento entre (1) professor e aluno e entre (2) aluno e objeto de estudo.

Os resultados foram os mesmos já vistos por mim em outros momentos: uma dificuldade imensa de ser diferente, de pensar em fazer algo que não seja aquilo que está previsto. Nosso aluno é um prisioneiro, um pássaro que nasceu dentro de uma gaiola e só sabe viver engaiolado. Se houver algo diferente, significa para ele uma insegurança enorme e ele volta para a gaiola, para a norma. Muito triste.

Fiquei também preocupado com outro aspecto: o diferente também é algo que está dentro da gaiola, como se o dono tivesse concedido um espaço já definido para quando o pássaro tivesse um momento de rebeldia e buscasse algo novo. Muito triste, mas bem melhor do que não pensar em nada diferente.

Não sei quantas turmas de alunos já passaram por minhas mãos. Não sei também contar quantas foram capazes de abandonar a segurança da gaiola e voar. Foram poucas turmas, foram poucos alunos.

Há um padrão – que me lembrou demais agora aquele filme “Divergente” – em que até a rebeldia, o diferente é definido. São anos observando o comportamento dos alunos em sala de aula.... Individualmente são pessoas cheias de anseios, querem mudar, querem algo diferente, mas quando se juntam dentro daquele retângulo, lembram-se da gaiola e assumem seu papel de alunos.

Houve uma época em que na primeira aula eu dizia: “detesto aluno”. E explicava: “pra mim aluno é o sujeito que senta na carteira, abre o cérebro e fica esperando pelo conhecimento ditado pelo professor”. Conceito de Paulo Freire para educação bancária. Eles entendiam, olhavam com um olhar de esperança, para logo em seguida distraírem-se e voltarem a posição inicial. Pois basta uma aula expositiva para que um circuito seja acionado, e tudo volte ao padrão. Algo como um mecanismo, disparador de comportamentos. Similar aquilo que se passa em “Espiões sem Rosto”, quando uma palavra dita ao telefone, desperta espiões para uma missão.

A Ordem sobrevive e foi implantada lá no primeiro dia de escola, veio sendo reforçado no ensino fundamental, amadureceu no ensino médio e manifesta-se no ensino superior. Retirar anos e anos de experiência moldada, não é fácil.

Algumas escolas têm mudado suas metodologias, buscado um jeito de criar um novo padrão (ops!), um novo modo de dar ao aluno – e ao professor – a liberdade de gerenciarem seus modos de estudar, de fazerem com prazer o que fazem. Mas são experiências isoladas, nichos, escolas especiais, fora do sistema, e que não alcançaram ainda, e nem fizeram cosquinha, na enorme estrutura de massa na qual se transformou o conjunto de nossas escolas.

Quem pode, compreende e tem coragem busca escapar da gaiola, indo para esses lugares. Mais uma vez, é preciso atravessar muitos obstáculos, como em “Maze Runner”, sob o risco de ser devorado pela burocracia estatal ou pelas dificuldades de se viver em outra terra. Coisa para escolhidos pelo destino, isto é, para poucos.

Sempre me pergunto, e nesse caso com muita frequência, como quebrar, dobrar o círculo, mental criando a segurança e ao mesmo tempo gerando o desejo de não retornar à gaiola? Só abrir a gaiola não é o suficiente, pois há o medo e a insegurança, e o comportamento se repetirá. A liberdade não se fará.

Por outro lado, como criar uma opção que não seja mais um caminho padrão? Como superar a mudança de convergente para divergente, sem que o divergente seja mais uma fórmula comportamental, previsível, limitada em si mesma? Eu não sei. O que eu sei é: transgredir não é para qualquer um.

Me desculpem, mas nesse momento até os transgressores me parecem previsíveis. E antes que alguém fale: não penso em uma conspiração do mal a dominar os cérebros. Não estamos em Matrix, embora pareça.

Me lembro, porque anda recente na minha vida, do poeta Carlos Drummond de Andrade. Comunista, numa época em que ser comunista era motivo de perseguição, atravessou a vida transgredindo e ao mesmo tempo, atuando no sistema, mudando-o de dentro. Não replicou modelo algum de comportamento e passou pela vida sendo diferente. Talvez ai esteja uma possibilidade de resposta ou pelo menos uma chance de criar uma falha do modelo.

Outro de quem me lembro é Ghandi e a sua luta pela não violência. Conseguiu a independência da Índia. Talvez, seja este um caminho.

1984 está aí e nem vimos ele chegar ou, 1984 sempre esteve aqui e nos iludiram dizendo que ele só chegaria no futuro. Ah! Observem que não falei dos zumbiscel. Mas sobre estes, não falarei.

* Dênio Mágno da Cunha, professor em Carta Consulta, em Una-Unatec, Doutorando em História da Educação pela Universidade de Sorocaba. Acredita no novo e vive procurando uma brecha para quebrar o modelo.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×