01/02/2019

PAULO FREIRE E O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NUMA PERSPECTIVA INTERSDICIPLINAR

PAULO FREIRE E O  PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NUMA PERSPECTIVA INTERSDICIPLINAR

 

Marcia Selau dos Santos[1]

Fernanda dos Santos Paulo[2]

Karana Chughi de  Ávila[3]

 


[1] Educadora Popular, simpatizante e participante da  AEPPA e graduada em Gestão Ambiental e educadora do Mais Educação. E-mail: marcia.selau@yahoo.com.br

[2] Educadora Popular, militante da AEPPA, professora do Brava Gente: pós em educação Popular e MS e mestre em Educação pela UFRGS/FACED. E-mail: fernandaeja@yahoo.com.br

[3] Educadora Social, estudante do curso de nível superior: Gestão ambiental e simpatizante da AEPPA. karanachughi@gmail.com

 

RESUMO

O presente artigo é oriundo da reflexão advinda das oficinas de educação ambiental, realizada numa escola pública de Porto Alegre no Programa Mais Educação. Contudo, neste trabalho enfocaremos para o papel do educador popular na realização de práticas educativas interdisciplinares visando a inclusão social. Este programa foi instituído pelo Ministério da Educação (MEC) a fim de potencializar as escolas a ampliar a jornada escolar na perspectiva da Educação Integral (MOOL, 2008). O Programa Mais Educação atende, prioritariamente, escolas com  baixo IDEB[1], situadas em  territórios marcados por situações de vulnerabilidade social e educacional. Aqui no Rio Grande do Sul, está mais presentes em cidades com mais de 100 mil habitantes,  articulado as políticas do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania- PRONASCI através do Ministério da Justiça. É, portanto, a partir desse contexto que buscaremos refletir sobre o trabalho do educador popular no “Mais Educação” e para tanto, faremos um breve relato da  realização de oficinas junto a discussão teórica freireana .

 

Palavras Chaves: Educação Ambiental; Pratica social; educador popular;

 

PALAVRAS INICIAIS

 

a curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. (FREIRE,1996, p. 15)

 

    Que articulações podemos fazer entre Educação Ambiental e Paulo Freire? Esta foi uma pergunta que nos fizeram e nos marcou profundamente desde o primeiro ensaio de escrita desse artigo. A pergunta nos deixou instigadas a pesquisar em algumas obras freireanas a relação desse tema com a interdisciplinaridade. Assim sendo, percebemos que encontramos muitas reflexões teóricas e práticas na pedagogia freireana para discutirmos a educação ambiental com vistas à inclusão social.

O Programa Mais Educação  é o espaço de aonde falamos, o qual foi instituído no Brasil em 2007 pelo MEC e na  escola de que relataremos  uma experiência de oficina de Educação Ambiental,  o programa foi aderido desde 2011.  As oficinas são realizadas nessa escola, a qual é pública e se situa  em Porto Alegre no bairro Partenon, mais especificamente na vila Maria da Conceição. Essa vila é conhecida como um “ponto de tráfico”, e é caracterizada como: “Conceição, possui casas distribuídas de acordo com as possibilidades do morro, geralmente construídas em madeira e com estrutura precária” ( SMC/POA). Essa escola está localizada num território de paz, aonde educadores populares atuam em diferentes frentes e com a articulação de políticas.

Nesse viés, o  Programa Mais Educação , o  Programa Mais Educação,  instituído pelo Ministério da Educação (MEC), na sua construção, se propõe-se em realizar ações intersetoriais entre as políticas públicas educacionais e sociais. ( BRASIL, 2009).  O objetivo  maior é o de potencializar as escolas a ampliar a jornada escolar na perspectiva da Educação Integral (MOOL, 2008), o que pode  contribuir para a inclusão social, haja vista que ele é realizado nas escolas com  baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica-IDEB, a maioria  situadas em  territórios marcados por situações de vulnerabilidade social e educacional. ( BRASIL, 1993;1996).

No Rio Grande do Sul, está mais presentes em cidades com mais de 100 mil habitantes,  articulado as políticas do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania- PRONASCI através do Ministério da Justiça.  

RS

Porto Alegre

 

Canoas

 

Alvorada

 

Cachoeirinha

 

Gravataí

 

Novo Hamburgo

 

São Leopoldo

 

Sapucaia do Sul

 

Viamão

Tabela 1. MEC, 2012. Cidades, população e Mais Educação.

O PRONASCI trabalha com temas relativos ao acesso a justiça, direitos humanos, mediação de conflitos, entre outros, cujos princípios norteadores são: dignidade, igualdade, liberdade, justiça. (BRASIL, 1988). Sendo assim, esses programas articulados podem vir a contribuir para a diminuição das desigualdades educacionais.

É, portanto, a partir desse contexto que buscaremos refletir sobre o trabalho do educador popular no “Mais Educação” e para tanto, faremos um breve relato da  realização de oficinas junto a discussão teórica freireana .

 

 

REFLEXÕES DE UMA EDUCADORA POPULAR DO ‘MAIS EDUCAÇÃO’

 

“quanto mais penso sobre a prática educativa (...) tanto mais me convenço do dever nosso de lutar no sentido de que ela seja realmente respeitada” ( FREIRE, 1996).

Neste item enfocaremos para o papel do educador popular na realização de práticas educativas  interdisciplinares visando a inclusão social. As atividades do Programa Mais Educação realizadas são diferentes do turno aula, pois o conteúdo trabalhado é o  social, articulado a pesquisa. Segundo a Secad/MEC:

 

O Programa MAIS EDUCAÇÃO já é uma realidade que, como tudo que se faz em educação, será progressivamente aprimorada com a participação de educadores, educandos, artistas, atletas, equipes de saúde e da área ambiental, cientistas, gestores das áreas sociais, enfim, com todos aqueles que, pessoal e profissionalmente, dedicam-se à tarefa de garantir os direitos de nossas crianças, adolescentes e jovens (BRASIL, 2009, p. 07).

 

Com base nas ideias de Paulo Freire e nas nossas práticas trazemos  o relato a seguir:

 

Acompanhando o tema da problemática ambiental e o número de despejos de lixo reaproveitável nos aterros sanitários “denominados lixões’, e observando na vila alguns pátios sendo utilizados como depósitos de lixos,  vi ali a possibilidade da abertura de uma janela para trabalharmos oficinas de Educação Ambiental no Mais Educação, propiciando  além de uma colaboração ambiental uma possível geração de trabalho e renda, tendo o reconhecimento de que :

O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e  não  um  favor  que  podemos  ou  não  conceder  uns  aos  outros.  (...)  É nesse sentido também que a dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos  dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela,  é  a  forma  de  estar  sendo  coerentemente  exigida  por  seres  que,  inacabados,  assumindo-se  como  tais,  se  tornam  radicalmente  éticos. (FREIRE, 1996, p. 66 -67).

Utilizamos a opção dos pets, que geram uma infinidade de produtos desde uma simples vassoura para varrer um pátio, enfeites para o lar, utensílios para uso geral ,etc. Jornais  que geram uma grande porção de produtos.  Das latas surgem as mais incríveis miniaturas de utensílios domésticos, das garrafas pets vasos para plantas medicinais, do papel porta-retratos para presentear a família.

O tema transversal Meio Ambiente traz a discussão a respeito da relação entre os problemas ambientais e fatores econômicos, políticos, sociais e históricos. São problemas que acarretam discussões sobre responsabilidades humanas voltadas ao bem-estar comum e ao desenvolvimento sustentado, na perspectiva da reversão da crise socioambiental planetária. Sua discussão completa demanda fundamentação em diferentes campos de conhecimento. Assim, tanto as ciências humanas quanto as ciências naturais contribuem para a construção de seus conteúdos. ( BRASIL:MEC, 1997, p.35).

 

Ao levar o educando para dentro da escola, no turno inverso, procuramos enquanto educadores populares, fazer com que interajam entre si, se tornem corresponsáveis pelo cuidado com a escola, comunidade e consigo mesmo.

Ali, o que seria descartado passou a gerar renda, pois algumas mães vieram assistir algumas oficinas para aprender e ensinar práticas de reciclagem.

 Tenho percebido, que o Programa Mais Educação, para os educandos e suas famílias é uma conquista, pois demonstram orgulho daquilo que fazem, ensinam e aprendem. Percebi que os educandos se  sentem capazes de mudar o cenário de descuido com o meio ambiente, desde o cuidado com o outro até respeitando a natureza.

Alguns professores relataram que alunos considerados rebeldes veem  melhorando o seu comportamento. Pra nós, educadores populares, aprendemos  na prática a importância de trabalhar de forma interdisciplinar. A esse respeito, concordamos com Gadotti:

A interdisciplinaridade, como questão gnosiológica, surgiu no final do século passado, pela necessidade de dar uma resposta à fragmentação causada por uma epistemologia de cunho positivista. As ciências haviam-se dividido em muitos ramos e a interdisciplinaridade restabelecia, pelo menos, um diálogo entre elas, embora não resgatasse ainda a unidade e a totalidade. (1999, p.1).

 

Segundo Balduino Andreola, Freire no seminário Interdisciplinar, coordenado por Adriano Nogueira, expressou sua concepção teórica da interdisciplinaridade, onde  o real é uma totalidade transdisciplinar. ( 2010, p. 230).

O nosso trabalho no ‘Mais Educação’ não é fragmentado, se dando nas diversas idades e em diferentes espaços. No caso da oficina de Educação Ambiental busco promover o contato direto com o meio ambiente, em seu sentido amplo. Para Reigota  (1994)  a  Educação  Ambiental  pode  ser  realizada  em  diversos espaços, da escola as associações  de  bairros até a universidades.  Na escola o tema é tratado como eixo transversal e no ‘Mais Educação’ é considerada como um dos dez  macrocampos, ambos na perspectiva deque “Educar é substantivamente formar”. (FREIRE, 1996, p.16) para a libertação.

Na experiência com horta comunitária realizei um trabalho de observação dos vários tipos de solos, depois selecionamos alguns e colocamos em pequenos recipientes feitos de pet. Diante disto, estudamos qual o tipo de solo que poderíamos usar para plantio, assim como seguimos as pesquisas  apresentando  sementes, seus respectivos  nomes, tipo de frutos, calendário lunar, etc.

 Atentando para realidade daquele contexto, o  tema da sustentabilidade foi fruto da observação na/da comunidade, o que ajudou a utilizar os recursos da vila para o desenvolvimento das oficinas.

Além de ensinarmos a plantar, cuidar e colher  nossas próprias hortaliças, comemos dela, e acredito que  de alguma forma  cultivamos o desejo pela pesquisa e desenvolvemos pelo diálogo crítico um processo de consciência ambiental, o que vem  contribuindo para as relações humana no fortalecimento de vínculos e formação de pessoas comprometidas com o desenvolvimento sustentável. Realmente seria preferível falarmos de aprendizagem para o desenvolvimento sustentável, pois aprender não se dá somente no ambiente educacional, mas se estende no cotidiano da vida, o que o “ Mais Educação” tem levado em conta, percebendo que:

A alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria. O desrespeito à educação, aos educandos, aos educadores e às educadoras corrói ou deteriora em nós, de um lado, a sensibilidade ou a abertura ao bem querer da própria prática educativa de outro, a alegria necessária ao que-fazer docente. (FREIRE, 1996, p.53).

 

Enfim, embora o texto tenha sido breve e referenciado a uma única experiência de trabalho com educação ambiental, percebemos que  práticas pedagógicas como a proposta pelo Programa Mais Educação, podem vir a contribuir para repensar a própria escola, o conteúdo, a metodologia, o  trabalho em rede de forma interdisciplinar e o reconhecimento de educadores populares que atuam nesses espaços. As oficinas de educação ambiental, buscam ser interdisciplinares,  buscando a inclusão social por meio da política da Educação Integral, revelando um espaço fecundo para retomar e reinventar a pedagogia freireana.

Também, percebemos que a formação de educadores na perspectiva da Educação Popular é urgente, pois desenvolver trabalhos interdisciplinares exige rigorosidade metódica, conhecimento científico dialogado com os “ saberes de experiências feito” , ou seja, formação inicial e permanente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANDREOLA, Balduino. Interdisciplinaridade   (verbete).  In:  STRECK,  Danilo;  REDIN,  Euclides;  ZITKOSKI, Jaime (orgs.). Dicionário Paulo Freire. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010; p. 229-230.

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 24 de fevereiro de 1988.

BRASIL. Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 07 dez 1993.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.

BRASIL.  MINISTERIO  DA  EDUCAÇÃO: PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAL- Ciências Sociais, 1997.

BRASIL. Portaria Normativa Interministerial n° 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação que visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2007.

BRASIL:MEC. Redes de Aprendizagem: boas práticas de municípios que garantem o direito de aprender. Brasília, DF: MEC, 2008.

BRASIL:MEC. Programa Mais Educação: gestão intersetorial no território. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GADOTTI, Moacir. Inovações educacionais: educação integral, integrada, integradora e em tempo integral. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008.

GADOTTI, Moacir INTERDISCIPLINARIDADE: Atitude e Método. Instituto Paulo freire, SP, 1999.

MOOL, Jaqueline. Educação integral na perspectiva da reinvenção da escola: elementos para o debate brasileiro. Salto para o futuro: Educação Integral. Ano XVIII boletim 13 – agosto de 2008.

SMC, POA.  HISTÓRIA DOS BAIRROS DE PORTO ALEGRE. Memorial, s/data.

REIGOTA, Marcos. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994

 


[1] Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

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