Percurso formativo construindo identidades: a pedagogia das biografias únicas
Cada sujeito constrói uma história que descreve um percurso de vida, de relações, de tempos e vivências. Construir esta história com liberdade de escolhas e decisões é em última instância, um direito humano fundamental. Assim é possível dizer que ninguém pode interferir deliberadamente na decisão de como cada um deseja escrever sua biografia. Entretanto sabe-se que, por diversos meios, especialmente a educação (escola), procurou-se estabelecer padrões de vivencia de acordo com o tempo e o contexto vivido.
No Brasil, por exemplo por séculos se concebeu a ideia de que apenas um grupo restrito poderia estudar e se preparar para comandar uma grande maioria que simplesmente desempenharia funções de servidão. Com o tempo viu-se que essa grande maioria deveria ser preparada para desenvolver atividades que exigiam um certo treinamento e então, por meio do que se chamou de tecnicismo, a escola passou a treiná-lo para o trabalho. Era o tempo das cabeças cheias de informações de como fazer, incapazes de pensar sobre o porquê fazer. Eram cérebros treinados a dar utilidade às mãos e a reconhecer que a tarefa de pensar era para poucos naturalmente privilegiados.
Neste contexto não havia biografias e histórias de vida únicas. Havia (e de certa forma ainda há) uma grande massa composta por verdadeiros exércitos de soldados ávidos pela satisfação em cumprir ordens e executar tarefas. Por outro lado, continiua uma minoria pensando e determinando tarefas e assumindo para si o poder de decidir e escolher. À grande maioria restava a opção de cumprir o que a natureza ou até mesmo os desígnios de Deus lhe permitiam. Afinal é natural nascer, viver e morrer cumprindo um destino sobre o qual não é possível intervir.
Graças a estas biografias em massa, grandes conglomerados econômicos se consolidaram, ditaduras se estabeleceram e os seres humanos foram classificados segundo sua utilidade econômica. Assim o ócio dos ricos (pensantes) é fruto de sua condição e reflete um mérito por suas amplas qualidades. Aos pobres (trabalhadores) o ócio representa a preguiça e reflete seu fracasso e inutilidade. À escola coube consolidar este pensamento, tornando-se um poderoso instrumento ideológico de padronização e, por conseguinte, de conformação e formatação de mentes e biografias.
Com o advento de correntes pedagógicas libertárias, progressistas e humanistas, especialmente de matriz esquerdista, surge a necessidade de prover os sujeitos de possibilidades de escolhas e decisões próprias. Os cérebros precisam ser desafiados a dar mobilidade não apenas às mãos, mas à todo o corpo. Cada sujeito é também um cidadão capaz de mudar o seu destino e de toda a sociedade, através de intervenções baseadas em argumentos, do desenvolvimento de habilidades individuais, construídas ao longo de um percurso formativo e de vida, únicos. Pela identidade construída num percurso formativo exclusivo percebe-se que cada ser humano constrói sua própria biografia.
Graças às biografias únicas surgem novos empreendedores, ampliando a competitividade econômica e a diversidade criativa. Os regimes políticos, mesmo que superficialmente, assumem características democráticas que se sedimentam em valores como liberdade, solidariedade e ética. E à escola, cabe a tarefa de abraçar esta diversidade e garantir que cada sujeito seja apresentado a diferentes possibilidades e habilitado a fazer escolhas. As doutrinações e os treinamentos cedem lugar ao diálogo e ao inconformismo, rompendo com a logica padronizadora e formatadora.
Em lugar de mentes treinadas, a lógica das biografias únicas demanda cérebros desafiados em que o ócio é também um tempo de criação, de reflexão e de mobilização. A escola, nesta perspectiva não é espaço apenas de formação, mas de libertação e quem se escrevem as linhas introdutórias do texto da vida de cada sujeito. Assim como ao iniciar este texto, onde nas primeiras linhas definiu-se a estratégia de abordagem do tema, caberá a escola participar do início de muitas vidas, desafiando-as a construir sua individualidade e definir seu papel na coletividade.