Pesquisa enfoca universitário de origem popular
Por Tatiana Ferreira, da UFPA
Dados poderão subsidiar uma política de ampliação da entrada e permanência desse estudante
Quem é o aluno de origem popular da UFPA? Quando ele entra na universidade? Em que cursos ele é mais presente? Respostas para essas perguntas começaram a ser alcançadas com a realização da pesquisa "Universidade pública: (re) conhecendo diferenças", que abrangeu uma amostra de 2.561 universitários matriculados no campus da UFPA em Belém no primeiro semestre de 2005. A pesquisa traz informações importantes para a realização de políticas que possam incentivar a presença e a permanência dos alunos de camadas populares na instituição. Alguns exemplos: de cada dez estudantes que entram na UFPA, dois são de origem popular; a maioria desses alunos é de mulheres; além disso, eles entram na instituição com idade mais avançada do que os estudantes de origem não popular.
A pesquisa foi realizada dentro do programa "Conexões de saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares", que surgiu por meio de uma parceria entre a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC) e o Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. Seu objetivo é realizar um conjunto de ações para acolher o estudante universitário de origem popular, identificando seus saberes e as principais dificuldades para a sua permenência nas Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes). Na UFPA, o programa é vinculado à Pró-reitoria de Extensão e executado pelo programa Observatório Paraense de Políticas Municipais do Centro Sócio-Econômico.
Perfil - Dentro da pesquisa, o aluno de origem popular é aquele que tem renda familiar de até três salários mínimos, vive em área de periferia, estudou em escola pública e cujos pais fizeram apenas o ensino fundamental. "Esses critérios são muito importantes para a compreensão da situação dessa categoria de alunos, que é bastante desconhecida. A formação dos pais, por exemplo, é um fator importante porque eses alunos não têm uma base de sustentação acadêmica em casa. Entrar na universidade é uma verdadeira revolução na vida deles porque, geralmente, eles são os únicos na família. Costumo chamá-los de intelectuais de primeira geração", explica Ari Loureiro, coordenador do observatório e organizador da pesquisa juntamente com a assistente social Jerusa Matos da Silva.
Dentre os 2.561 estudantes que participaram da pesquisa, 2034 foram classificados como de origem não popular e 527 como de origem popular. Levando em consideração a margem de erro da pesquisa (1,8%), pode-se dizer que, dentro do universo de 16.689 estudantes matriculados na instituição, 13.251 são de origem não popular e 3.438 podem ser classificados como de origem popular. A maioria dos alunos de origem popular é de mulheres, com 57,7%. Os homens representam 42, 3%. No caso dos alunos de origem não popular há um maior equilíbrio: 48,6% deles são homens e 51,4% mulheres.
A média de idade geral dos alunos que responderam à pesquisa é de 23 anos. Aqueles que pertencem à categoria dos alunos de origem popular têm em média 25 anos. Já os alunos caracterizados como não populares têm em média 22 anos. "Esse quadro demonstra que o aluno de origem popular acaba entrando mais tarde na universidade em função das suas dificuldades. É muito importante que isso seja considerado quando se pede por exemplo, que o bolsista para determinado projeto esteja na faixa de 21 anos de iadade. Claro que o critério de qualidade não pode ser colocado de lado, mas é fundamental considerar também a dimensão social na seleção dos bolsistas. Essa é uma das formas de manter esses estudantes na instituição", avalia Ari.
O coordenador cita o exemplo do Observatório Paraense de Políticas Municipais, que selecionou 37 bolsistas de origem popular em 2005 para atuar no programa Conexões de Saberes, dentre eles sete em Breves, sete em Castanhal e 23 em Balém. A experiência foi tão boa para esses estudantes que eles melhoraram seu desempenho acadêmico e alguns tiveram que deixar o projeto por terem sido aprovados em concursos públicos, como o da Emater.
Cursos - De acordo com os resultados da pesquisa os dez cursos com maior tendência de concentração de alunos de origem popular são, pela ordem decrescente: Geografia, Biblioteconomia, Matemática (licenciatura), Química, Letras, Ciências Sociais, Pedagogia, Serviço Social, Filosofia e Ciências Contábeis. E os cursos com a menor concentração de alunos de origem popular são Publicidade, Biologia, Medicina, Odontologia e Psicologia.
A pesquisa também aponta grande incidência de alunos de origem popular, praticamente 40%, que nasceram em municípios do interior do Estado ou em outros Estados, como Maranhão e Amapá. De acordo com análise feita no relatório da pesquisa, "esses dados podem refletir a realidade educacional na Região Amazônica, que ainda deixa a desejar, pela carência de opções para os jovens, assim como a falta de perspectiva para famílias que acabam saindo de seus locais de origem para se aventurar nas capitais em busca de empregos e educação para seus filhos".
Atualmente o programa Conexões dos Saberes trabalha na construção de metodologias para a realização de um pesquisa longitudinal para acompanhar a entrada de estudantes na universidade e sua permanência durante cinco anos, fazendo a comparação entre o que acontece com estudantes de origem popular e não popular. Essa iniciativa deverá abarcar as 31 universidades que participam do programa em todo o Brasil.
UFPA propõe ações do programa
A Rede de Pesquisadores Universitários de Espaços Populares, uma iniciativa do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro criada em 2001, foi a semente que originou o programa nacional "Conexões dos Saberes", em dezembro de 2004. Essa rede buscava formar núcleos de estudantes de origem popular nas universidades e espaços de moradia nos quais estavam inseridos com o objetivo de constituir novos sujeitos sociais no processo de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas em comunidades populares do Rio de Janeiro.
O "Conexões" criou inicialmente uma rede de estudantes com características sociais semelhantes em cinco IFES: Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Pará, Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal do Rio de Janeiro. A partir de maio de 2005 mais nove instituições foram inseridas. Esses alunos têm função estratégica dentro do programa. Eles colaboram para a elaboração de diagnósticos sobre as condições pedagógicas e socioeconômicas dos estudantes de origem popular no espaço acadêmico, de modo que esses resultados possam contribuir para a melhoria de suas condições de ingresso e permanência nas universidades públicas. Suas atividades também voltam-se à produção de diagnósticos e intervenções sociais em comunidades populares, aproximando os saberes populares das instituições de ensino superior.
"A participação da UFPA tem sido muito importante. Não só porque ela foi uma das cinco primeiras a aderir, mas porque ela é proponente de ações de base do programa. Além disso, estamos concluindo o sistema de informação, gestão e acompanhamento do programa. É um software que vai permitir interagir dados estatísticos das universidades, cruzamento de informações, chats e gerar um fórum virtual. Devemos lançá-lo no segundo semestre", explica Ari.
Os bolsistas do programa estão discutindo na UFPA a construção de um fórum acadêmico-comunitário. O objetivo é incluir nesse fórum lideranças comunitárias que possam dialogar com a academia. Os bairros do Guamá e Terra Firme foram selecionados como área de intervenção por estarem no entorno do campus e em função da sua situação de maior risco social.
O programa inclui como meta para este ano a produção e publicação de quatro livros temáticos: Representações dos Espaços Populares na Universidade e Representações de Universidade nos Espaços Populares; Diferença e desigualdade na Universidade Pública; Prática Pedagógica e Lógica Meritocrática, e Juventude e Política Pública. Eles serão produzidos pelos estudantes integrantes do projeto pertencentes às quatorze IFES iniciais.
Além disso, os bolsistas da UFPA terão suas histórias de vida publicadas no livro Caminhadas de Universitários de Origem Popular, que já teve algumas edições lançadas com os depoimentos de estudantes de outras universidades participantes do projeto.