02/12/2025

Psicopedagogia em Expansão.

Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Psicopedagogia Institucional.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252

 

A Psicopedagogia, enquanto campo interdisciplinar que investiga os processos de aprendizagem humana, ocupa um lugar cada vez mais relevante nas discussões sobre educação, desenvolvimento e saúde mental. Porém, apesar de sua expansão social e institucional, permanece cercada por inquietações éticas fundamentais: qual é, de fato, o papel desse profissional na sociedade contemporânea? Até onde vão suas atribuições? E, sobretudo, quais transformações busca promover no ambiente escolar e fora dele? Estas perguntas não são meramente técnico-científicas, mas atravessam dimensões identitárias profundas, pois a escolha de uma profissão implica assumir, conscientemente ou não, um compromisso ético com o outro, com o coletivo e com a produção de conhecimento (BORGES; BOSSA, 2018).

Refletir sobre o papel da Psicopedagogia exige compreender sua essência, ou seja: trata-se de um campo voltado ao estudo da aprendizagem humana e de suas dificuldades, articulando psicologia, pedagogia, neurociência, psicanálise e sociologia. Esse caráter híbrido confere à área uma amplitude de atuação que vai muito além do senso comum, o qual costuma restringir o psicopedagogo ao atendimento de crianças com dificuldades escolares, geralmente dentro dos muros da escola. Tal visão, como apontam Delabetha e Da Costa (2014), desconsidera a complexidade da aprendizagem e os múltiplos contextos nos quais ela se constrói, se fortalece ou se fragiliza.

O processo de aprender, conforme defendem autores como Paín (2005) e Visca (2010), não é linear nem isolado, envolve aspectos afetivos, cognitivos, sociais, históricos e culturais. Por isso, o psicopedagogo atua na intersecção entre sujeito, conhecimento e contexto, investigando padrões normais e patológicos da aprendizagem, mas também os modos como o meio interfere no desempenho do indivíduo. Essa perspectiva rompe com explicações reducionistas, que atribuem dificuldades escolares apenas à “falta de esforço” da criança, à “desmotivação familiar” ou ao “fracasso pedagógico”. A Psicopedagogia sustenta que compreender um problema de aprendizagem exige olhar para todas essas dimensões, analisando como cada uma delas contribui para o quadro global (SCOZ, 2012).

Nesse sentido, é imprescindível questionar a ausência sistemática do psicopedagogo nas equipes pedagógicas das escolas brasileiras. Embora a legislação educacional reconheça a necessidade de apoio especializado e trabalho interdisciplinar, muitas instituições ainda não incorporam esse profissional, deixando lacunas no acompanhamento individualizado dos estudantes. Como destaca Damasceno (s/d), a Psicopedagogia possibilita “desaprisionar a inteligência”, liberar a criatividade e estimular experiências de aprendizagem prazerosas, motivadoras e emancipadoras. Sua ausência, portanto, empobrece as práticas pedagógicas, reduzindo a capacidade da escola de responder à diversidade dos aprendizes.

No entanto, limitar o psicopedagogo ao espaço escolar é ignorar sua potencialidade. A atuação psicopedagógica se estende a hospitais, clínicas, centros comunitários, instituições de acolhimento, serviços públicos de assistência social e espaços empresariais. Em hospitais, por exemplo, o psicopedagogo integra equipes multiprofissionais para acompanhar crianças e adolescentes em tratamento de longa duração, prevenindo regressões cognitivas e estimulando o vínculo com a aprendizagem (DELABETHA; DA COSTA, 2014). Em clínicas particulares, realiza avaliações diagnósticas detalhadas, intervenções terapêuticas e orientações familiares. No contexto doméstico, auxilia na mediação das relações afetivas e comunicacionais que influenciam diretamente o desempenho escolar, contribuindo para o equilíbrio emocional e cognitivo.

Além disso, em contextos sociais mais amplos, o psicopedagogo atua na elaboração de projetos de prevenção ao fracasso escolar, na formação continuada de professores, no desenvolvimento de programas de inclusão e até na orientação de adultos em processos de aprendizagem corporativa. A modernidade líquida descrita por Bauman (2001) exige sujeitos capazes de aprender continuamente, e a Psicopedagogia contribui para compreender as novas demandas cognitivas, emocionais e sociais geradas por este cenário.

Do ponto de vista crítico, é importante destacar que a Psicopedagogia não pode se limitar a um discurso de ajustamento. Seu papel é também político, ou seja, o de questionar práticas educativas excludentes, denunciar barreiras institucionais à aprendizagem, defender o direito ao acesso ao conhecimento e contribuir para a construção de ambientes mais inclusivos, democráticos e humanizados. Isso implica adotar uma postura ética comprometida com o desenvolvimento integral do sujeito, reconhecendo sua singularidade e sua história.

Assim, torna-se essencial superar a visão técnica e instrumental da Psicopedagogia e compreendê-la como um campo estratégico para a reconstrução das práticas educativas e das políticas públicas. A atuação desse profissional, dentro e fora da escola, deve responder a um compromisso maior que é o de promover condições reais de aprendizagem, entendida não apenas como aquisição de conteúdos, mas como forma de constituição subjetiva, de autonomia e de participação social.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BORGES, C.; BOSSA, N. A. Psicopedagogia: teoria, prática e pesquisa. Porto Alegre: Artmed, 2018.

DAMASCENO, M. A. Psicopedagogia e criatividade. s/d.

DELABETHA, T.; DA COSTA, J. A. A. A importância do psicopedagogo no contexto escolar e clínico. 2014.

PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2005.

SCOZ, Beatriz. Dificuldades de aprendizagem: uma abordagem psicopedagógica. Petrópolis: Vozes, 2012.

VISCA, Jorge. Psicopedagogia clínica: novas contribuições. Buenos Aires: Lugar Editorial, 2010.

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