30/09/2019

REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL E A EDUCAÇÃO POPULAR: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E CONTEXTO ATUAL

REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL E A EDUCAÇÃO POPULAR: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E CONTEXTO ATUAL

Nara Rosana Godfried Nachtigall[1]

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de apresentar uma revisão bibliográfica sobre o tema da previdência social no bojo das antirreformas em curso no Brasil, as quais acentuam a penalização da classe trabalhadora e cumprem a lógica neoliberal de recuperação do capital em crise. Trata-se de revisão que, ainda que breve, pretende abordar o tema, considerado de extrema relevância, tendo em vista o cenário político e econômico atual do Brasil. Esta proposta de reforma da previdência social vincula-se à ótica mercantil da seguridade, onde os mais afetados são os pobres. Busca-se, diante desse cenário, apresentar reflexões acerca das alternativas para impedir o avanço dessa perversidade, trazendo para o debate a Educação Popular.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Previdência. Neoliberalismo. Educação Popular.

Considerações iniciais

A Reforma da Previdência, que se encontra em pauta e com redação em transição no Congresso Nacional, faz parte do conjunto da obra do projeto de Estado mínimo em curso no Brasil, e atende às exigências da ofensiva do capital, dada a crise econômica mundial oriunda de 2008, que joga as cartas num conjunto de medidas de ajuste fiscal e política de austeridade para a manutenção dos privilégios e lucros dos detentores do capital, especialmente da burguesia financeira, sobre o conjunto das camadas populares. A previdência social faz parte da seguridade social, juntamente com a assistência social e a saúde, uma das conquistas da Constituição Federal de 1988.  O foco do projeto de reforma é apenas fiscal e economicista, sem balizamento ético e social, e acena para aprofundar as desigualdades já insuportáveis da sociedade brasileira.

Entretanto, a realização de leituras referentes ao tema suscitou questionamentos e associações entre as temáticas dos Direitos Humanos e da Educação Popular. Escrever sobre a reforma da previdência requer constituir relações temáticas com a área da educação, sobretudo referindo-se ao trabalho, à questão de gênero, à aposentadoria e, consequentemente, ao envelhecimento.

Reflexões à luz da revisão de leituras

A tramitação atropelada da proposta da Reforma da Previdência, no Brasil, bem como as resistências emanadas no campo popular explicitam o antagonismo deste propósito: de um lado, a força de setores ligados ao mercado da previdência, que buscam abocanhar esta fatia de potencialidade de ganhos econômicos, e que operam com sua representação política; por outro lado, a sociedade civil organizada, que através dos movimentos sociais populares do campo e da cidade, e do movimento sindical, se mobiliza na resistência ante este processo, que ataca um dos direitos sociais básicos da população. Assim, a dignidade humana, proposta na Constituição Federal de 1988, quando no seu artigo 6º assegura os direitos sociais, é, portanto, de responsabilidade do estado, sendo que, dentre eles, está o direito à previdência social, que, no atual contexto, se distancia cada vez mais de sua efetivação.

Na mesma rota, há outras reformas que convergem à política neoliberal, a qual se caracteriza pela maximização dos lucros no setor privado, forjada pelos processos de diminuição do tamanho do estado e privatizações de estatais e de abertura de setores de responsabilidade do estado, bem como pela desregulamentação das relações de trabalho, dentre outros.  Katz (2016), ao discutir o neoliberalismo na América Latina, apresenta a trajetória histórica e caracterização de sua ofensiva e das resistências deste projeto reacionário e também pontua as contradições do neoliberalismo latino-americano, sendo uma delas a demonização do Estado e as consequências concretas aos trabalhadores:

Embora atribua a precarização ao intervencionismo estatal, é evidente que a informalidade é consequência direta de um modelo que destrói empregos mediante privatizações e aberturas comerciais. Os artífices idealizam as desgraças causadas pela flexibilização trabalhista. As caricaturas dos empobrecidos como agentes transmissores da mão invisível do mercado tiveram certo eco no início do neoliberalismo. Mas perderam influência na última década, à medida que o empobrecimento potencializou a desigualdade social, massificou a delinquência e acrescentou as tensões da marginalidade. (KATZ, 2016, p. 102-103).

A síntese é que o capital impõe uma ofensividade sobre o trabalho para garantia e recomposição de suas taxas de lucro. As camadas populares são atingidas de forma agressiva, pois, na realidade brasileira, caracterizada pela concentração das riquezas, onde boa parte da população é colocada em condição de pobreza e vulnerabilidade social, ficam reféns e completamente desprovidas da ação do estado na garantia dos direitos sociais básicos, ou seja, os Direitos Humanos são completamente desrespeitados.

O quadro brasileiro atual da política econômica e social remete ao cenário mundial da crise econômica de 2008. O golpe parlamentar e midiático interno de 2016 fere a democracia e acentua as dificuldades no trato dos direitos humanos, cujo programa favorece “o desmonte do Estado e dos direitos sociais no Brasil” (SEVERIANO, 2017, p.25). O retrocesso é representado pela aprovação da Emenda Constitucional 95, que limita gastos em políticas sociais por vinte anos. A engenharia que diminui direitos acelera o curso do projeto neoliberal, exacerbando a ideologia de “liberar o jogo da oferta e da demanda livre de qualquer interferência, enfatizando o caráter benéfico da ordem mercantil e o efeito positivo do darwinismo social”. (KATZ, 2016, p. 103)

A Reforma da Previdência, embora mobilize a população em face da ameaça da perda da aposentadoria, em especial, está relacionada ao conjunto de medidas efetivadas que atendem à lógica da economia financeira e rentista. A lei da terceirização, sem limites, de todas as atividades produtivas e mesmo de serviços públicos, a reforma trabalhista, remete ao sepultamento por completo do arcabouço legal e social das relações trabalhistas, e esse desmonte que se desenha na mudança da previdência social, sem nenhuma transparência e com dados desencontrados, é profundamente grave e atentatório aos direitos sociais, sobretudo das pessoas mais vulneráveis, o que contribui para agravar as injustiças e desigualdades na nossa sociedade.

O cenário recessivo mundial e o golpe parlamentar de 2016 promovem o avanço de políticas que pesam mais sobre a classe trabalhadora; dentre as que já foram aprovadas, estão: a Emenda Constitucional 95 (que estrangula investimentos nas áreas sociais), a terceirização de todas as atividades (atividade meio e fim), as contrarreformas Trabalhista e do Ensino Médio, a ofensiva de destruição da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e da Educação do Campo; todas essas mudanças vêm na linha da execução da política de austeridade, que se conjuga com a precarização e a retirada de direitos sociais da classe trabalhadora. A Reforma da Previdência, embora ainda não efetivada, está na mira da ofensiva do capital.

            O conjunto das reformas na educação, aprovadas por um Congresso conservador, que visam, entre outras coisas, criar mordaça para educadores (as), criminalizando o debate de conteúdo problematizador numa sociedade plural, multi-étnica-racial-religiosa, vai na contramão de inúmeras demandas de inclusão do ponto de vista social, da individualidade das pessoas e das culturas regionais.

 Está em cena um ajuste violento contra o povo, representado por um pacote de medidas que corta direitos conquistados a duras penas pelos(as) trabalhadores(as); além disso, o aumento dos preços, decorrente da política econômica administrada pelo Estado, que opera atendendo aos interesses do capitalismo financeiro, atinge o custo de vida das massas, arrochando o orçamento público e do seguro social para pagar os juros dos agiotas da dívida pública.

A Reforma da Previdência é comemorada pela patronal e por setores da classe média; como exemplo de "modernização", as medidas representam um duro ataque aos direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores. O capitalismo brasileiro tem avançado a passos largos para a terceirização, e, junto com ela, o trabalho precário e mais vulnerável ao poder dos patrões. Violências de classe que estão codificadas nas técnicas e nos modos de gestão da força produtiva dos trabalhadores, poder que mata, mutila e invalida. O discurso da economia dominando como valor supremo, o endeusamento do capital em detrimento do humano, que faz da tragédia da exploração operária e camponesa de todos os dias a mola propulsora do crescimento capitalista.

A tragédia é que as decepções, os fracassos e as capitulações ao modus operandi do sistema ativaram um recalque coletivo que conduz a um rebaixamento das expectativas gerais da sociedade com a política. Deixa lastro ideológico para os discursos de ódio que fazem aparecer rebentos de fascismo na classe média ou de fundamentalismos religiosos entre os populares, de acordo com o sociólogo Jesse de Souza (2017, p. 51), no livro A elite do atraso – Da escravidão à lava-jato. Ainda do mesmo autor, o culturalismo racista e liberal conservador é uma teoria explicativa abrangente e totalizadora do Brasil e que precisa ser efetivamente criticada nos seus pressupostos fundamentais.

O estímulo à educação e a ascensão econômica de cerca de 40 milhões de brasileiros desde 2003 são apontados por Jessé Souza (2017, p. 43), como as causas do ódio de setores da sociedade aos pobres e ao governo do PT (Partido dos Trabalhadores), a maioria formados por uma classe média conservadora.

Por que as pessoas odeiam o PT? Não é ele, é o que ele representa. O seu governo propiciou minimamente a maior ascensão social em um país de mais de 500 anos de escravidão e desigualdade abissal. Essa é a grande questão, é odiado por isso.

É nesse contexto que grupos da classe média com pensamentos conservadores e até fascistas vão ganhando forma. Souza diz que, devido à ascensão dos pobres, foram mais de dez anos de ódio, ressentimento e medo reprimidos. Esse setor da sociedade não gostou nada de ver seus empregados domésticos ou o auxiliar de serviços gerais do trabalho frequentarem os mesmos shoppings ou aeroportos. O golpe permitiu colocar esse sentimento reprimido para fora. A classe média não gostou nada quando os governos petistas começaram a investir em ensino, no fundo essa classe média começou a ter medo, um medo irracional, de perder seu espaço.

Além do mito da brasilidade e da baixa autocrítica, a sociedade também se caracteriza pela ausência de transformações, de fato, políticas e revoluções sociais. O Brasil é uma sociedade que se modernizou apenas economicamente, apesar de lutas contra exploração e a resistência ante a exploração, não houve processo de real aprendizagem coletiva por meio da luta. Se relacionarmos com o processo que ocorreu na Revolução Francesa, no século 18, a ralé teve voz e efetivou a revolução de alternância de classe no poder, embora em seguida tenham agido da mesma forma opressiva em relação ao demais, ou seja, sucedeu-se diferentemente da população brasileira excluída, que, há mais de quinhentos anos, ocupa o espaço de exclusão e é espoliada pela exploração de seu trabalho e de seus direitos básicos de vida digna.

Em vez da luta, Souza (2009) afirma que a ralé brasileira compartilha do consenso que legitima a desigualdade e a exclui. Não existe crescimento de sociedade sem autocrítica. Temos hoje, uma classe trabalhadora precarizada, próxima dos herdeiros da escravidão, secularmente abandonados. Eles se reproduzem aos trancos e barrancos, formam uma espécie de família desestruturada, sem acesso à educação formal. É majoritariamente negra, mas não só. Aos negros libertos juntaram-se, mais tarde, os migrantes nordestinos. Essa classe desprotegida herda o ódio e o desprezo antes destinados aos escravos. E pode ser identificada pela carência de acesso a serviços e direitos. Sua função na sociedade é vender a energia muscular, como animais. É ao mesmo tempo explorada e odiada.

Como essa herança nunca foi refletida e criticada, continua sob outras máscaras. O ódio aos pobres é tão intenso que qualquer melhora na miséria gera reação violenta, apoiada pela mídia. É o tipo de rapina econômica de curto prazo que também reflete o mesmo padrão do escravismo.

A base da corrupção é uma elite econômica que compra a mídia, a Justiça, a política, e mantém o povo em um estado permanente de imbecilidade. Nessa reinterpretação do Brasil, Souza(2009) conclui: “As falsas ideias existem para fazer as pessoas de tolas, posto que apenas os feitos de tolos dão de bom grado e evolutivamente o produto de seu esforço a quem os engana e oprime”. O autor oferece robusta argumentação científica para a sociedade brasileira se repensar e reinterpretar o Brasil de hoje a partir da triste constatação de que a crise política e a dominação da esfera pública pela elite do atraso colocaram em xeque o princípio mesmo da igualdade social como valor fundamental da democracia.

O importante a destacar é a especificidade da definição de Souza para classe social, uma vez que sua interpretação é fundamental para compreender sua intrigante reinterpretação da sociedade brasileira. Souza afrouxa o parafuso da definição de classe tanto da renda, como determina a teoria liberal, como da posição no modo de produção capitalista, como a define Marx. Ele avança as fronteiras economicistas e incorpora o capital cultural e o capital social como tão definidores quanto os critérios tradicionais para o pertencimento à determinada classe.

Este quadro do grande contingente de pessoas relegadas à condição de exclusão e miséria, relegados à marginalidade da sociedade, remete à leitura da trajetória histórica dos Direitos Humanos e, dentre eles, a previdência social. No Brasil, os direitos civis, políticos e sociais foram se constituindo a partir de uma realidade histórica particular nos períodos colonial, imperial e republicano. Foi somente na Constituição de 1988 que tivemos, assegurado constitucionalmente, os direitos sociais, que, vale dizer, ainda não foram implementados, e hoje se vivencia um retrocesso total, resultante do golpe em curso. Tivemos na história da república a ocorrência de históricos “golpes” e de ditaduras, dificultando a construção da cultura democrática; somos um país marcado por profundas desigualdades.

 A luta contra as formas de opressão, pelas camadas populares ao longo da história da humanidade, sintetiza-se na luta pelos direitos humanos. Os direitos, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e de modo gradual.

Em todo este processo, elencamos dois momentos relevantes na história ocidental e do Brasil para apresentar os movimentos tensionados, e que revelam marcos importantes na luta pelos direitos humanos, a saber: o ambiente das bases do liberalismo econômico e ideário iluminista e o ambiente de abertura política no pós ditadura militar no Brasil.

O pensamento liberal no contexto da revolução industrial e do iluminismo que estruturam o estado burguês, que resulta dos movimentos de luta contra os dogmas religiosos, o absolutismo e a intolerância religiosa, ou seja, o humanismo e racionalismo colocam o homem na centralidade. Nesse ambiente, transcorre a afirmação dos direitos do homem em sintonia com as liberdades fundamentais, principais bandeiras pautadas na revolução francesa: liberdade, fraternidade e igualdade. É o movimento da burguesia industrial pela emancipação.

Nesse quadro, é importante elencar alguns processos, discutidos por Severiano (1917), que marcam e convergem com este intuito na trajetória histórica dos direitos humanos: a Declaração dos Direitos, de 1688, que propõe, na Inglaterra, o fim do absolutismo, a instauração dos poderes e afirmação dos direitos humanos; a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, que tem como premissa os princípios democráticos e os Direitos Humanos; e, em destaque, a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, de 1789, sendo que, esta última, expressão da concepção pós Revolução Francesa, de caráter individualista da sociedade e primeiro instrumento reconhecido de proteção aos direitos humanos, afirma

 a liberdade e a igualdade como direitos fundamentais inalienáveis e sagrados. Assegura a propriedade como um direito fundamental. Assegura a propriedade como um direito fundamental e se amalgama à revolução burguesa, Art.1 “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (SEVERIANO, 2017, p.30)

 

É igualmente importante discutir as contradições inerentes a este processo de ascensão da burguesia e o percurso do absolutismo. Na Revolução Russa, de 1917, transparece o protagonismo da classe trabalhadora no movimento operário, onde a Declaração dos Direitos do Povo trabalhador e explorado, de 1919, identifica o contraponto à Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão.

Ressaltamos, assim, que, na discussão feita por Severiano (2017), a Previdência social transcorre no contexto da seguridade como direito fundamental, situada na perspectiva dos Direitos Humanos e que impulsiona a materialidade da dignidade da pessoa humana. O reconhecimento de direitos essenciais das pessoas na busca de uma vida digna faz parte de um contexto de grandes transformações sociais das lutas de classe.

No bojo do projeto de reforma da previdência, abordamos o tema mais específico da aposentadoria. A proposta não é justa, pois, de um lado, retira direitos dos mais vulneráveis, e, de outro, mantém privilégios inaceitáveis, deixando de fora a revisão das altas aposentadorias do judiciário e do ministério público, dos militares e dos políticos. Ao tratar do déficit da Previdência, provocado em grande parte pelas aposentadorias dos sempre privilegiados, não enfrenta a deslavada sonegação dos encargos trabalhistas por parte de grandes grupos econômicos, confortados pela omissão do Estado em exigí-los. Os débitos dessas empresas com a previdência ultrapassam 500 bilhões de reais. Quer cobrar dos pobres a dívida previdenciária dos ricos. O projeto estipula a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, e tempo de contribuição de 49 anos. Não faz distinção entre trabalhadores do campo dos da cidade, entre homens e mulheres. Não toma em conta que, em determinadas regiões do Brasil, a expectativa de vida da população mal alcança 60 anos, enquanto noutras, beira os 77 anos.

No que tange à conquista da aposentadoria, "A aposentadoria começou a ser introduzida no final do século XIX em países industrializados como uma forma de assegurar o sustento de vida de trabalhadores velhos nos seus últimos anos de vida, tirando-os da mendicidade" (FONTOURA et al, 2015, p. 59). Atualmente, a situação é um pouco diferente, pois, à época do surgimento da aposentadoria, poucos sujeitos chegavam à idade mínima exigida, que era de 70 anos. Com o aumento da expectativa de vida e, como sinalizam os autores, com as lutas sindicais, essa idade mínima foi sendo reduzida.

A argumentação dos prós e contras demonstra o tensionamento entra a política proposta pelo governo e aqueles que se colocam na oposição. Para o governo, a reforma previdenciária justifica-se pelo potencial de explosão no déficit da previdência e da apresentação de dados, segundo os quais, houve um aumento de 102% no déficit da previdência. Na contrarrazão, está o interesse de jogar os direitos sociais e, dentre eles, a previdência na órbita do mercado, com os processos de privatização. Para Severiano (2017),

Os direitos humanos, a proteção social, especialmente a previdência/seguridade social está submetida à lógica financista e sofre determinações da política econômica monetarista que empreende o ajuste fiscal, que promove a privatização/mercantilização dos direitos sociais, restringindo a acesso para os que podem pagar.” (SEVERIANO, 2017, p.41)

Se a lógica mercantil prevalece no tocante à previdência social, constatamos que se tratará de um artigo de luxo e não de direito social. Este quadro remete à necessidade de luta por uma sociedade justa e igualitária, portanto, construindo outros caminhos possíveis, realçando as perspectivas da solidariedade, do cuidado e das condições de dignidade humana.

A EDUCAÇÃO POPULAR

A organização das classes populares com vistas a resistir e confrontar as políticas de dominação fomentadas pelas elites em âmbito mundial é uma das formas de luta em defesa dos direitos sociais conquistados na Constituição Federal.

A burguesia querendo retirar dos pobres o pouco que estes têm significa isentar a dívida previdenciária dos ricos. Essa opção pela classe dominante é um projeto ultraneoliberal em voga. A Educação Popular, com suas múltiplas possibilidades de interpretação e atuação, pode vir a contribuir para a constituição de um movimento popular nacional a favor de um projeto de Estado/nação que seja de todos e para todos, sem, de forma alguma, criminalizar a pobreza (PAULO, 2013).

Construir novos espaços político-pedagógicos que alavanquem processos de participação crítica na vida das cidades e do país é uma das formas de aprofundarmos e fortalecermos a democracia. Sem uma Educação verdadeiramente Popular e os Movimentos Sociais de resistência será muito difícil permanecermos com o discurso de transformação estrutural da sociedade.

No atual contexto brasileiro, um dos maiores desafios é a permanência da luta pela democracia popular a partir dos movimentos populares. Para tanto, se faz necessário resistir em tempos de retirada massiva dos direitos sociais conquistados, resistir modo criativo. Isto é, em tempos de alta investidura a favor da desmobilização sócio-política é importante resgatar o acúmulo de experiências de Movimentos Sociais que produziam teatros e músicas populares visando à formação política, através de alternativas desde o retorno à cultura popular.

O direito à previdência social é apenas um dos tantos outros direitos sendo ameaçados no Brasil, impactando diretamente na vida das pessoas em situação de vulnerabilidade social. No momento, estão sofrendo essas consequências, de imediato, os idosos, depois os adultos com mais de 45 anos, que já começam a estabelecer conexões com o seu projeto de aposentadoria.

 A Educação Popular está atrelada aos Direitos Humanos que defendem a dignidade e a justiça social. O histórico da exclusão social no Brasil não pode ser esquecido ou abandonado porque ele é um projeto de estado em curso, de privatização de tudo o que é público.

 Os Movimentos Sociais na perspectiva da Educação Popular são as nossas esperanças para que sejamos livres da opressão e colonização. Por isso, vale a pena retomar as leituras das obras de Paulo Freire (1993; 1994) para compreender o porquê, num Estado ultraneoliberal e conservador, defende-se a retirada de suas ideias na educação escolar. Por questões de concepção de Direitos Humanos e de Estado, é através da participação popular que podemos discutir o projeto atual de Estado. A participação popular representa um pilar da Educação Popular e é um dos grandes impulsionadores das formas autônomas de organização e de atuação política dos grupos das classes populares nos movimentos sociais populares, nas associações de bairros, nas lutas sindicais, dentre outras. Sobre isso, Gadotti afirma:

Participação popular corresponde a formas de luta mais diretas do que a participação social, por meio de ocupações, marchas, lutas comunitárias, etc. Embora dialogando e negociando pontualmente como os governos, em determinados momentos, essas formas de organização e mobilização não atuam dentro de programas públicos e nem se subordinam às suas regras e regulamentos. (GADOTTI, 2013, p. 8)

 Para Paulo (2018), é urgente registrar as trajetórias de lutas comprometidas no campo da Educação Popular a favor dos direitos sociais básicos, os quais estão sendo expropriados da classe popular.

Considerações Finais

As reflexões acerca do direito à previdência social e a ameaça da perda para a sociedade em geral, sendo os mais atingidos aqueles de maior vulnerabilidade social, remetem ao entendimento de que há duas premissas: a dos Direitos Humanos que defendem o desafio da universalidade da seguridade e o da sua restrição às camadas populares, visto que abre espaço para sua exploração pelo mercado, tornando-a restrita a poucos. O percurso histórico da exclusão social e dos Direitos Humanos relaciona-se diretamente ao contexto histórico e ao projeto de estado em curso, seja liberal, neoliberal, da social democracia ou socialista.

O cenário em vigência é de retrocessos e ataques aos direitos, resultante da ofensiva selvagem do capital. É neste patamar que se situa a Reforma da Previdência. Obviamente que o movimento necessário para impor-lhe derrota, e que defendemos, dialoga com a superação da lógica da previdência voltada ao mercado e para poucos, intencionando a defesa de uma seguridade consoante com os direitos humanos.

É desafio imperativo o rompimento com o marasmo e retrocessos no que tange à manutenção e ampliação da luta por direitos. Severiano (2017) aponta a necessidade de enfrentar a narrativa pró reforma da previdência, apresentando e dando publicidade aos aspectos que contrapõem e contribuem na formação de consciência e na construção coletiva de organização e luta no campo popular por uma sociedade justa e igualitária, ou seja, a construção de outras alternativas, edificadas nos princípios da solidariedade e da universalidade dos Direitos Humanos e da seguridade social/previdência.

            Em suma, o amplo acesso para toda a população brasileira à seguridade social, perseguindo o princípio da universalidade e da dignidade humana, que se dá pela garantia dos direitos básicos, não transcorre por osmose. A disputa e ratificação dos Direitos Humanos constituem-se em estratégia de reduzir as desigualdades, a concentração de renda e a pobreza no Brasil. Utopia nos move, no sentido de sermos sujeitos históricos e assumirmos a tarefa de protagonismo no enfrentamento das regressivas medidas oriundas do golpe de 2016, e, dentre elas, frear a Reforma da Previdência, reafirmando e perseguindo a construção de um outro mundo possível.

Referências

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BULLA, Leonia Capaverde; KAEFER, Carin Otilia. Trabalho e aposentadoria: as repercussões sociais na vida do idoso aposentado. Revista Textos & Contextos, n. 2, ano II, dez. 2003.

DOLL, Johannes; RAMOS, Anne Carolina; BUAES, Caroline Stumpf. Apresentação: educação e envelhecimento. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 1, p. 09-15, jan./mar. 2015.

FONTOURA, Daniele dos Santos; DOLL, Johannes; OLIVEIRA, Saulo Neves de. O desafio de aposentar-se no mundo contemporâneo. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 1, p. 53-78, jan./mar. 2015.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1993.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança.  São Paulo: Paz e Terra, 1994.

GADOTTI, Moacir. Gestão democrática com participação popular: planejamento e organização da educação nacional. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2013.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos idosos responsáveis pelo domicílio. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencianoticias/25072002pidoso.shtm>. Acesso em: jan. 2018.

KATZ, Claudio. Neoliberalismo, Neodesenvolvimentismo e Socialismo. São Paulo: Expressão Popular, Fundação Perseu Abramo, 2016, Capítulo II.

PAULO, Fernanda dos Santos. A formação dos (as) educadores (as) populares a partir da práxis: um estudo de caso da AEPPA. 2013. 273 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.

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SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: lega, 2017.

SOUZA, Jessé; GRILLO et al. A ralé brasileira – quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

SEVERIANO, Evania Maria Oliveira. Direitos Humanos e Previdência Social: a Seguridade no labirinto do capital. Revista Transformare, Fortaleza, n. I, v.I, out/nov 2017.

 

[1] Mestre em Educação Pela UFRGS. 2019/1 -

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