26/09/2016

Resenha da obra: ‘O que é esclarecimento’ de Imannuel Kant

Immanuel Kant nasceu em Koningsberg, na antiga Prússia Oriental (hoje incorporada à Russia) em 1724. Sua família não possuia recursos financeiros, o que levou Kant a possuir uma educação baseada no pietismo Luterano, vertente sustentada na leitura direta da Bíblia. Posteriormente veio a estudar na Universidade Albertina. Na docência, era admirado por seus alunos devido a sua capacidade intelectual e sua simpatia. Centrou seus estudos “na apreciação crítica das condições de possibilidade do conhecimento humano”, na “capacicidade de julgar” e na “forma como nos devemos conduzir, isto é, da ética”.[1] Sua filosofia crítica é resilta de uma separação: “do que é verdadeiro e útil ao raciocínio daquilo que não o é. Deriva de três fontes: o eacionalismo dogmático, o empiricismo cético e a física matemática”[2]. Faleceu em 1804, com sinais de demência na cidade em que nasceu.

Kant deixou uma vasta obra, dentre elas, uma resposta dada a seguinte pergunta: “Que é esclarecimento?” Sua conclusão foi publicada em 1783[3], tornando-se um marco filosófico desde então, inclusive como sinônimo de iluminismo, embora Aufklãrung signifique ‘esclarecimento’.

Já no início da referida obra escrita em formato de artigo, Kant sintetiza que esclarecimento (Aufklãrung) para ele seria “a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado[4], menoridade essa que seria a própria incapacidade do indivíduo de usar o seu entendimento sem ser auxiliado por outra pessoa[5]. Para o esclarecimento, o homem teria que ser corajoso e fazer uso de seu próprio entendimento. Eis a famosa frase que Kante emprega: Sapere Aude: ‘atreva-se a saber’, ‘ouse saber’. Ou seja, a razão sendo um exercício da autonomia, e sendo esta autonomia livre, atingir a ‘maioridade’ seria praticar o uso livre da razão.

Embora Kant disserte sobre as beneficies de se praticar o uso livre da razão em busca do esclarecimento, o autor explicita que alguns passarão pela ‘menoridade’ em algum momento de sua vida e muitos ali permanecerão por oportunismo, medo, preguiça e covardia, pois:

É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um método que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis[6].

Então, o ‘não’ uso da razão em busca do Aufklãrung abriria caminho para que outro tomasse as rédeas da vida do indivíduo, manipulando-o (embora com seu próprio consentimento), mas impedindo-o (por preguiça ou inação) de pensar e se conduzir por si mesmo. Neste sentido, ‘atrever-se a saber’ (sapere aude) seria o conselho de Kant para este indivíduo. Sair da inação (menoridade) e conduzir a sua vida em busca da maioridade, mesmo que sofra atropelos no início de seu caminhar. Cair e levante-se sem se deixar intimidar.

O esclarecimento, segundo Kant, anda de mãos dadas com a liberdade, embora a limitação da liberdade seja uma constante, e por isso, existe tanta escassez de esclarecimento. O questionar obedecendo não conduz ao esclarecimento. Deste modo, para se chegar ao Aufklãrung, faz-se necessário o uso público da razão[7](uso com liberdade), já que o uso privado é limitado (e usado sob constrangimento). O uso público e privado da razão, para Kant seria:

Entendo contudo sob o nome de uso público de sua própria razão aquele que qualquer homem, enquanto sábio, faz dela diante do grande público do mundo letrado. Denomino uso privado aquele que o sábio pode fazer de sua razão em um certo cargo público ou função a ele confiado[8].

Neste contexto, Kant constrói o conceito de direito individual por meio do uso público da razão pela possibilidade do uso da razão livre (direito de livre pensar). Segundo este raciocínio, a razão pública é ilimitada e autônima, ao passo que a privada é constrangida, vinculada as paixões, e está presa em amarras e, portanto, é heterônoma. O uso público da razão beneficia toda a sociedade, enquanto o uso privado é mais restrito, não atingindo o bem comum.

Embora o questionamento com obediência não conduza ao esclarecimento, esta obediência faz-se necessária para o convívio em sociedade, em especial, quando eivada de uma obrigatoriedade hierárquica, pois:

Seria muito prejudicial se um oficial, a quem seu superior deu uma ordem, quisesse pôr-se a raciocinar em voz alta no serviço a respeito da conveniência ou da utilidade dessa ordem. Deve obedecer. Mas razoavelmente, não se lhe pode impedir, enquanto homem versado no assunto, fazer observações sobre os erros do serviço militar, e expor essas observações ao seu público para que as julgue (...). Do mesmo modo também o sacerdote está obrigado a fazer seu sermão aos discípulos do catecismo ou à comunidade, de conformidade com o credo da Igreja a que serve, pois foi admitido com essa condição. Mas, enquanto sábio, tem completa liberdade, e até mesmo o dever, de dar conhecimento ao público de todas as suas ideias cuidadosamente examinadas e bem-intencionadas, sobre o que há de errôneo naquele credo, e expor suas propostas no sentido da melhor instituição da essência da religião e da Igreja[9].

Sendo assim, para Kant é salutar que se obedeça, porém, é necessário que também se faça o uso público da razão, pois somente desta forma, o esclarecimento é alcançado, ou seja, um homem pode pessoalmente e por algum tempo apenas adiar este esclarecimento, mas “renunciar a ele, quer para si mesmo quer ainda mais para sua descendência, significa ferir e calcar aos pés os sagrados direitos da humanidade”.[10]

No final do artigo, para sintetizar suas colocações, Kant faz a si mesmo o seguinte questionamento: “vivemos agora em uma época esclarecida?”. Em seguida, segue respondendo que:

Não, vivemos em uma época de esclarecimento (Aufklãrung). Falta ainda muito para que os homens, nas condições atuais, tomados em conjunto, estejam já numa situação, ou possam ser colocados nela, na qual em matéria religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom de seu próprio entendimento sem serem dirigidos por outrem. Somente temos claros indícios de que agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornarem progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento (Aufklãrung) geral ou à saída deles, homens, de sua menoridade, da qual são culpados. Considerada sob este aspecto, esta época é a época do esclarecimento (...)[11].

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Referências:

KANT, Imannuel. O que é o esclarecimeno? In: ____. Textos Seletos. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. 4. Ed. Petropolis: Vozes, 2010. p.63-71.

THEODORIDIS, Nicolas. Arquitetura das ideias: A dessacralização da sociedade ocidental e o advento da fé raciocinada no contexto europeu da 2ª metade do século XIX. Jundiaí: Paco Editorial, 2015.

THIRY-CHERQUES, Hermano R.. Ética para executivos. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2008.

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[1] THIRTY-CHERQUES, 2008, p.1

[2] THIRTY-CHERQUES, 2008, p.1

[3] KANT, 2010, p.63.

[4] KANT, 2010, p.63.

[5] THEODORIDIS, 2015, p.86.

[6] KANT, 2010, p.64.

[7] KANT, 2010, p.65.

[8] KANT, 2010, p.66.

[9] KANT, 2010, p.66/67.

[10]  KANT, 2010, p.69.

[11] KANT, 2010, p.69/70.

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