Sob as Teias da Antropologia Ecológica: A Mercy e Tar Baby de Toni Morrison. Uma Perspectiva de Estudo Ecocrítico.
RESUMO:
A produção e consumo de bens materiais demasiado na sociedade universal tem contribuído para a deterioração ambiental e social. Esse progresso destrutivo do ecossistema é visto atualmente como o mal do século. Por essa razão, este estudo tem o objetivo de mostrar uma reflexão sobre o efeito da violência do homem para com o meio ambiente a partir das obras, “A Mercy” e “Tar Baby”, da escritora afro-americana Toni Morrison, cujas análises aqui desenvolvidas foram de caráter explicativo, descritivo e exploratório, nessa perspectiva, a prática em uma textura crítica cultural possibilitou ocupar os fenômenos dos estudos da Antropologia Ecológica em diálogo com a ecocrítica, pois, estes campos epistemológicos entram como aliadas para a análise literária do espaço biótico norte-americano com base nas seguintes perguntas: a) De que modo a Antropologia Ecológica dialoga com a teoria da ecocrítica? B) Como os romances afro-americanos A Mercy e Tar Baby de Toni Morrison colaboram para uma reflexão ambiental? Assim, esse estudo preenche a lacuna para a análise literária numa perspectiva sócio-ambiental.
Palavras – Chave: Antropologia ecológica; Ecocrítica; Literatura afro-americana; Toni Morrison.
ABSTRACT:
The production and consumption of material goods in society has contributed to the environmental and social deterioration.This destructive progress of the ecosystem is currently seen as the bad of century.So, this study aims to show a reflection on the effect of the violence of man to the environment with the novels, "Mercy" and "Tar Baby", the writer Toni Morrison, whose analyzes here were developed character explanatory, descriptive and exploratory, this perspective, the practice in a texture fill critical cultural phenomena enabled the study of Anthropology Ecological dialogue with ecocriticism, therefore epistemological enter these fields as allied to the literary analysis of U.S. space biotic based on the following questions: a) How does the Ecological Anthropology dialogues with the theory of ecocríticism?B) As the african americans novels Mercy and Tar Baby by Toni Morrison collaborate for a think to environment?Thus, this study fills the gap for literary analysis in a socio-environmental perspective.Key- words: Anthropology Ecological; Ecocriticism; African-American Literature; Toni Morrison.
INTRODUÇÃO
Os problemas ambientais têm provocado a sociedade global no sentido de alertar para o cuidado com o seu próprio lar, “o planeta Terra vive um período [...] de desequilíbrio ecológico que, se não forem remediados, no limite, ameaçam a implantação da vida em sua superfície” (GUATARRI, 1990, P.07). Ativistas do Greenpeace compartilham suas preocupações a respeito dessa evolutiva deterioração operando na revalorização da preservação ecológica.
A devastação e desertificação ambiental convidam Para um desafio universal; lutar em prol da sustentação do ecossistema. Essa tarefa não é fácil de ser realizada e para que isso aconteça é necessário que o homem em seu cerne tenha uma intima ligação com o seu espaço. É pelo víeis dessas problemáticas ambientais, que a inquietação apresentada nessa pesquisa leva a refletir sobre o efeito da violência do homem para com o meio ambiente a partir das obras, A Mercy e Tar Baby, da escritora afro-americana Toni Morrison. A Antropologia Ecológica em diálogo com a ecocrítica entram como aliadas para a análise literária do espaço biótico norte-americano com base nas seguintes perguntas: a) De que modo a Antropologia Ecológica dialoga com a teoria da ecocrítica? B) Como os romances afro-americanos A Mercy e Tar Baby de Toni Morrison colaboram para uma reflexão ambiental?
Ao contribuir para a visibilidade dos efeitos da devastação ambiental, esse estudo preenche a lacuna para a análise literária numa perspectiva sócio-ambiental. Inicialmente, apresenta-se a escritora para depois conhecer as obras e adentrar na Antropologia Ecológica em diálogo com a ecocrítica. E finalmente, passa-se a analisar as obras, em questão, sob o ponto de vista ecocrítico.
- APRESENTANDO A AUTORA
Toni Morrison nasceu em 1931 em Lorain - Ohio, Estados Unidos. Filha de operários era a única criança negra na sala de aula do curso primário. Em 1970 publicou seu primeiro livro, The Bluest Eye. Desde 1976 leciona literatura negra e técnicas de ficção em Yale e no Bard College, mas, seu principal interesse atual seja escrever. Com o seu livro Song of Solomon, pubicado em 1977, despertou na crítica literária norte-americana a atenção pelas suas escritas, a qual considerou a obra como a melhor do ano. Desde, então passaram a escrever sobre a autora e suas obras.
1. 1-Conhecendo as obras.
A Mercy é uma fascinante narrativa que expõe a vida de sete personagens que por ironia do destino se deparam numa fazenda do comerciante e aventureiro anglo- holandês Jacob Vaark. Este não é de acordo com a compra e venda de escravos africanos, mas recebe uma garotinha, Florens, como parte da prestação de uma dívida de um português, senhor de escravos. Florens, aflita por conta do afastamento do seu irmão e da sua mãe, busca amor e carinho, inicialmente em Lina, uma indígena norte-americana que trabalha como empregada na fazenda, depois busca em um ferreiro que é africano livre, não escravizado, que chega à fazenda por consignação de trabalho. Vive Também na fazenda, Rebekka a esposa de Jacob, Sorrow, que foi criado num barco e que todos acham que tem problemas mentais; e dois trabalhadores, Willard e Scully. O último capítulo do romance compete à fala da mãe de Florens, esclarecendo porque ela pede a Jacob para levar sua filha e não seu filho.
O contexto da ação no romance Tar Baby acontece na Ilha des Chevaliers (dos Cavaleiros) no Caribe. Todos os eventos ocorrem na segunda metade do século XX em várias partes dos Estados Unidos e Caribe. No prólogo, Son, o protagonista sai do navio (próximo à rainha da França) nada em direção a uma ilha, os Chevaliers Isle des, (a ilha dos Cavaleiros) onde ele se refugia na casa de campo.
Mais tarde, quando o Son sai da ilha, a narrativa segue dirigindo Jadine personagem negra e uma das protagonistas do romance, para Nova York. Em seguida, o leitor é levado para a pequena cidade de Eloe na Flórida e, depois retorna para Nova York. Jadine sai de Nova York, e retorna para a Isle des Chevaliers ( Ilha dos Cavaleiros). No capítulo final, Son faz uma investigação para Jadine e consegue localizar à rainha da França. Ele está com Gideão e Therese em sua casa de pó-de-rosa sobre a colina. Ele deixa a Chevaliers Isle dês ( Ilha dos Cavaleiros). O romance termina quando ele atinge a costa da ilha e começa a caminhar na direção das árvores. A narração ocorre por meio do realismo mágico.
Nova York, Paris e L'Arbe de la Croix representar "urbanidade", enquanto o Eloe e as colinas de Chevaliers Isle dês representam o mundo natural.
2. ANTROPOLOGIA ECOLÓGICA: DIÁLOGOS ECOCRÍTICOS.
A prática de pesquisas interdisciplinares convoca o pesquisador/leitor a cruzar vários campos epistemológicos, assim sendo, o campo de estudos da Crítica Cultural potencializa a suas investigações por induzir pesquisas relacionadas língua, literatura e cultura, oral e escrita considerando trânsitos e configurações interdisciplinares.
Nessa proposta, o crítico cultural ocupa “entre o sacrifício e o jogo, entre a prisão e a transgressão, entre a submissão ao código e a agressão, entre a obediência e a rebelião, entre a assimilação e a expressão” (SANTIAGO, 2000, p. 26). Essas ocupações são métodos adaptados para operar nos lugares e nos entre - lugares constituindo técnicas capazes de refletir textos literários e modos culturais sob vários ângulos.
A tarefa do crítico cultural estar nos “territórios a serem atravessados, cruzados e rasurados por novos sujeitos do conhecimento pela crítica interdisciplinar” (MARQUES, 1999, p. 67). Nessa perspectiva podemos pensar numa prática crítica cultural relacionada aos problemas ambientais que tem provocado a sociedade global no sentido de alertar para o cuidado com o seu próprio lar.
Os conflitos ecológicos estão interligados no modo e na reprodução cultural da sociedade no ecossistema. Por essa razão, esse estudo pretende veicular nesse tópico aspectos relacionado ao modo de constituição cultural, tendo como núcleo central o seu envolvimento com o meio ambiente e a crítica cultural por ser uma área interdisciplinar engajada nas diversas atividades políticas deve atuar nessa evolutiva deterioração operando na revalorização da preservação ecológica, essa discussão é fundamentada nesse estágio pela Antropologia Ecológica porque é definida como “o estudo das relações entre dinâmica populacional, organização social e cultural das sociedades humanas e o meio ambiente nos quais elas estão inseridas” (NEVES apud WALDMAN, 2006, p. 36).
Como se pode perceber, os estudos da Antropologia Ecológica são fundidos com a Antropologia cultural e social, assim, essa pesquisa abrangerá nessa etapa, teóricos que estão em torno desses campos de investigação, que procuram contribui para o entendimento dos diferentes modos de relacionamento do homem com a natureza a partir dos aspectos culturais. “[...] o antropólogo procura, antes de tudo, determinar em que momento e de que maneira os humanos se afirmam como diferentes da natureza, fazendo o mundo cultural surgir” (WALDMAN, 2006, p. 33).
Destarte, a cultura pode ser compreendida como uma atmosfera associada às redes dinâmicas de condutas diferenciadas, que estabelece relações de valores específicos na natureza, que pode estar relacionado tanto no cultivo das necessidades humanas, no sentido de cuidado e de preocupação em renovar suas fontes na viscosidade de percepção e sentimento de valores amigáveis, como também no sentido de explorar os recursos naturais sem dá possibilidades de revigora- lós.
Isso está relacionado ao tipo de cultura que usufrui da natureza de modo consciente ou inconsciente. “A tradição cultural, é claro, tem de ser transmitida de cada geração para a geração seguinte” (MALINOWSKI, 1975, p. 07). Essa é a forma como à cultura é transmitida numa sistematização de produções de atividades aprendidas caracterizando as especificidades de cada meio cultural, “[...] a cultura distingue um modo de vida típico de um grupo de pessoas, fundamentado em comportamentos aprendidos, transmitidos de geração a geração por meio da língua e do convívio social” (WALDMAN, 2006, p. 18).
É exatamente, com esse modo de vida aprendida de geração a geração que o homem manifesta os diversos costumes, hábitos e práticas socioambientais, sendo assim,
a cultura é o mecanismo pelo qual o homem em sociedade interage com o seu entorno natural, o relacionamento entre as comunidades tradicionais e as características naturais do seu espaço da vida se impõe por si mesmo. Conclusivamente, a diversidade cultural não pode estar divorciada da diversidade biológica. Daí o redobrado interesse pela perpetuação dos estilos de vida que se mantiveram regrados pela tradição (WALDMAN, 2006, p. 197).
É evidente o envolvimento da cultura com a natureza, até porque o meio ambiente como o todo participa no processo de constituição cultural dos povos, o teórico, ainda, empreende-se que a sociedade global jamais poderá se afastar do campo ambiental, uma vez que, baseia-se nos modos tradicionais para o melhoramento de vida planetária, a manutenção ao ecossistema será uma atividade necessária para a sobrevivência, assim sendo, o homem no seu cerne cultural deverá estar preparado para enfrentar as dificuldades tanto culturais como ambientais.
Interpretando Malinowski (1975), a cultura é recheada de elementos os quais participam efetivamente na representação social do espaço, visto que, o envolvimento com a natureza é primordial, ela auxilia na manutenção cultural dos povos, conforme exposto no fragmento a seguir:
[...] deparamo-nos com uma vasta aparelhagem, em parte material, em parte humana, em parte espiritual, com a ajuda da qual o homem é capaz de lidar com os problemas concretos, específicos com que se defronta. Esses problemas surgem do fato de que o homem tem um corpo sujeito a várias necessidades orgânicas, e que ele vive num ambiente que é o seu melhor amigo; visto que ele fornece as matérias – primas para o seu trabalho manual, e é também um seu perigoso inimigo, porquanto abriga muitas forças hostis (MALINOWSKI, 1975, p. 07).
Essas diversas ferramentas participam nas crenças, ritos e papéis representados pelos sujeitos no convívio em sociedade, quanto aos problemas que surgem o homem é o responsável devido a atender as suas necessidades de subsistência, a cultura dessa forma tem como pilar de sustentação a natureza por fornecer energias vitais ao cerne cultural do homem. Marx declara:
A natureza é o corpo inorgânico do homem (...), na medida em que ela mesma não é corpo humano. O homem vive da natureza, significa: a natureza é o seu corpo, com o qual tem que permanecer em constante processo para não morrer. Que a vida física e mental do homem está interligada com a natureza não tem outro sentido senão que a natureza está interligada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza (Marx, 2001 p.155).
É interessante observar nos trechos citados de Waldman (2006), Malinowski (1975) e Marx (2001), que os autores enfatizam o envolvimento do homem com a natureza para a sua sobrevivência, o homem nunca desatou do seu universo natural seja de modo harmonizado ou violento, a natureza sempre esteve presente nas atividades dos seres de diversas culturas, em plantações, colheitas, devastações da flora para construções de indústrias, caças de animais, exploração do petróleo, do ouro e de pedras preciosas, são ações instituídas por interesses em comum.
É sabido, que a sociedade deve se manter culturamente no limite dos recursos naturais para poder sobreviver. “A ecologia, como já notamos e todos parecem concordar, vem à cena cultural como um conjunto de condições - limites, um limiar de tolerância na exploração do meio ambiente [...]” (SAHLINS, 1979, P.229).
A Antropologia Ecológica observa os comportamentos culturais do homem e o seu relacionamento com a natureza, as discussões relacionadas às temáticas ecológicas têm assumido maiores ostentações na sociedade mundial, oportunizando a revelação de um novo posicionamento teórico dentro da visão literária, a Ecocrítica, que “foi pronunciado pela primeira vez em 1978, por Rueckert”. (GARRARD, 2006, s/p.). A visão dessa ciência diferencia um pouco das já existentes com relação aos ecólogos e aos críticos literários, pois o meio ambiente e a literatura sempre foram vistos separadamente, tanto pelos estudos ambientais como pela crítica literária, agora, ambas estão unidas em um único foco de pesquisa.
Segundo, Úrsula K. Heise, através do texto “Ciência e Ecocritismo” – the American Book Revieu 18.5 (july- August – 1997) Direciona para o entendimento da ecocrítica.
Ecocriticism, or “green” criticism, is one of the most recent interdisciplinary fields to have emerged in literary and cultural studies. Ecocriticism analyzes the role that the natural environment plays in the imagination of a cultural community at a specific historical moment, examining how the concept of “nature” is defined, what values are assigned to it or denied it and why, and the way in which the relationship between humans and nature is envisioned.[…] (HEISE,1997 apud ALMEIDA, 2008,P.15).
O ecocritismo ou “verde” criticismo é um dos campos interdisciplinares mais recentes que surgiu através da literatura e estudos culturais. O ecocritismo analisa o papel natural do meio ambiente na imaginação cultural de uma comunidade num momento histórico específico, examinando como o conceito de natureza é definido, que valores lhes são atribuídos ou negados e por que, além de ver como a relação homem/natureza é vislumbrada. Alguns ecocríticos entendem suas pesquisas como uma intervenção em debates sociais, políticos e econômicos acerca da poluição e preservação do meio ambiente. (HEISE,1997 apud ALMEIDA, 2008,P.15 – Tradução nossa).
Como se pode observar a ecocrítica surgiu por meio dos estudos literários e culturais, desse modo, compreendemos que “as ciências humanas se formam a partir do entrecruzamento e superposição de diferentes ciências e disciplinas” (MARQUES, 1999, p. 66). Empreender considerações de várias correntes teóricas torna-se uma obrigação do crítico cultural, dessa forma uma atuação crítica cultural desloca os seus olhares para abordagens e posturas epistemológicas, variando através de diversos temas e campos disciplinares.
A ecocrítica por ser um campo interdisciplinar se apropria também de perspectivas e métodos interpretativos transnacionais permitindo uma trajetória multi-direcional, voltada a uma atuação de política ambiental. Assim, a atividade ecocrítica já é antes de tudo uma atuação de caráter crítico cultural. Por isso seria melhor chamarmos de “eco-crítica cultural”[2]
A ecocrítica, portanto, é uma modalidade de análise confessadamente política, como sugere a comparação com o feminismo e com o marxismo. Os ecocríticos costumam vincular explicitamente suas analises culturais a um projeto moral e político “verde”. Nesse aspecto, ela se relaciona de perto com desdobramentos de orientação ambientalista na filosofia e na teoria política. Desenvolvendo as percepções de movimentos críticos anteriores, os ecofeministas, os ecologistas sociais e os defensores da justiça ambiental buscam uma síntese das preocupações ambientais e sociais. (GARRARD, 2006, p.14).
Nesse rastro, compreendemos que a ecocrítica tem uma função crítica cultural, formula um plano de atuação moral e político ambiental, a partir das intervenções dirigidas aos sistemas imperialistas de dominação política, econômica e cultural, é nesse universo de injustiça social que “o ecocrítico almeja rastrear as ideias e as representações ambientalistas onde quer que elas apareçam, enxergar com mais clareza um debate que parece vir correndo, a miúde parcialmente encoberto, em inúmeros espaços culturais” (KERRIDGE apud GARRARD, 2006, p.15).
Notamos que a ecocrítica transita no campo da Antropologia Ecológica. Assim sendo, justifica o campo da ecocrítica como uma prática crítica cultural que dedicada suas forças a "explorar todas as facetas da experiência humana”[3] (ADAMSON & SLOVIC, 2009, p. 5 – Tradução nossa )a um projeto de justiça ambiental e social.
Nesse sentido o pesquisador ecocrítico ao se deslocar para uma pesquisa de campo faz o mesmo trabalho do antropólogo ao analisar na comunidade, a relação do homem com a natureza, a partir dos costumes culturais. Por isso que a Antropologia Ecológica dialoga com a ecocrítica.
Em outras palavras a ecocrítica dá origem a uma nova educação ambiental, de forma extremamente cuidadosa no intuito de humanizar o ser humano conscientizando contra as suas próprias práticas de opressão ao meio ambiente. Conforme Reigota:
[...] a educação ambiental deve procurar estabelecer uma “nova aliança” entre a humanidade e a natureza, uma “nova razão” que não seja sinônimo de autodestruição e estimular a ética nas relações econômicas, políticas e sociais. Ela deve se basear no diálogo entre as gerações e culturas em busca da tripla cidadania: local, continental e planetária e da liberdade na sua mais completa tradução, tendo implícita a perspectiva de uma sociedade mais justa, tanto no nível nacional quanto internacional. (2002, p. 11).
Essa aliança de sensibilização do ser humano com o meio o qual está inserido tem o escopo de alavancar uma nova racionalidade de convivência ambiental, auxiliando na transformação de uma sociedade mais coerente, com isso a literatura adentra neste cenário contribuindo na reflexão das ações do homem em seu espaço como também da sua existência em quanto ser racional, pois durante toda a história da humanidade, a terra, sofre atrocidades pelas ações do homem, o ser humano está sempre em mutações, com isso tende a configurar a flora, explorando-as para outros benefícios de cunho materialista.
Nessa seção a discussão provocada pelos antropólogos e ecocríticos mostrou que ambas ás áreas dialogam entre si, a Antropologia Ecológica busca avaliar a cultua no cerne natural o qual o individuo está inserido, a ecocrítica também o faz isso tanto nas pesquisas de campo como nas biográficas pelo viés literário. Daí a importância de um estudo ecocrítico acoplado ao campo da crítica cultural que interage num quadro contextual, pluralista e relacional com a Antropologia Ecológica capazes de atribuir um ponto significativo de impacto ecocrítico cultural. Agora as análises ambientais serão direcionadas aos romances A Mercy e Tar Baby, explorados no próximo tópico.
3. A MERCY E TAR BABY: UMA PERSPECTIVA DE ESTUDO ECOCRÍTICO.
“Muitos dos primeiros trabalhos da ecocrítica se caracterizam por um interesse exclusivo na poesia romântica, nas narrativas sobre o mundo natural e nos escritos sobre a natureza” (Garrard, 2006: 16). Por isso, que esse trabalho recebe a condição de análise ecocrítica, porque procurou lançar uma visão no universo natural do romance A Mercy e Tar Baby.
Em A Mercy é observado como os personagens Jacob e Lina se comportam nessa esfera ambiental, cuja “natureza nunca é senão uma capa para os interesses de algum grupo social” (Garrard, 2006: 23). Esse tipo de visão está enraizada nos diferentes relacionamentos de Jacob e Lina sobre a natureza porque ambos fazem parte de grupos sociais diferenciados que tem valores diversificados com o meio ambiente. O modo como Jacob Vaark é mencionado pela narradora na nova terra de habitação mostra o perfil ambiental de
Um clima com quatro estações definidas [...] respirar o ar de um mundo tão novo, quase alarmante em sua crueza e tentação sempre o revigorava [...] as mentiras da companhia sobre o lucro fácil à espera de todos não o surpreendiam nem desanimavam. [...]. Agora ali estava ele, um pobre órfão transformado em dono de terra (MORRISON, 2009, p.15/16).
O homem sempre foi um observador apurado no seu espaço de habitação, assim a percepção de Jacob Vaark como é descrito pelo narrador na nova terra situa o modo de viver à área geográfica, bem como ambição em transformar o espaço de ocupação em fontes de riquezas pessoais. “Jacob [...] sabia que quando saísse daquela floresta [...] estaria, por fim, em Maryland [...] que permitia o comércio com mercados estrangeiros. Boa para agricultores, melhor para comerciantes, ótimas para corretores (MORRISON, 2009, p.17).
É perceptível que a descrição contempla o período colonial dos Estados Unidos o qual Morrison traz impregnada a visão capitalista incorporada no comerciante Jacob Vaark, as inúmeras formas de buscar lucro na colônia, envolvia a exploração/devastação do meio ambiente. E a ecocrítica como um objeto de estudo da literatura “[...] procura avalia os textos e as idéias em termos de sua coerência e utilidade como resposta à crise ambiental” (KERRIDGE apud GARRARD, 2006, p.15). É por esse motivo que a investigação em tela procurou dá ênfase à preocupação ambiental em A Mercy incorporada na personagem indígena Lina, que
não se impressionou com o clima festivo, a agitada satisfação de todos os envolvidos e se recusou a entrar ou chegar perto dela. Aquela terceira casa e era de se esperar última que o patrão insistiu em construir distorcia a luz do sol e exigiu a morte de cinquenta árvores. E agora tendo morrido nela ele vai assombrar essas salas para sempre (MORRISON, 2009, p.44).
Lina ignora a festa de comemoração da terceira casa devido à execução das árvores para sua construção, dessa forma é mostrado o modo de como o homem devasta a natureza para se beneficiar dela. E por outro lado entende – se que a índia Lina está de luto porque os indígenas norte-americanos em suas tradições “fazem uma brilhante reverência à natureza como mãe espiritual e também física. A natureza é viva e dotada de forças espirituais [...]” (VANSPANCKEREN, 1997, p. 04). Como se pode vê, Toni Morrison desenha uma personagem indígena que mantém suas tradições culturais conservadas e que se preocupa o bastante com a natureza porque é nela que se busca a saúde espiritual, a natureza é a mãe dos índios, a qual se deve pedir autorização mesmo para feri – lá. Lina refletia: “Matar árvores nessa quantidade, sem pedir a permissão delas claro que o esforço dele ia atrair má sorte” (MORRISON, 2009, p.45).
O posicionamento de Lina demonstra respeito à mãe natureza e ao mesmo tempo justiça, ao declarar que a atitude de Jacob sem pedir permissão à mãe natureza iria atrair má sorte. Essa relação de Lina com meio natural é também cultural por ampliar a visão para uma questão de ética, uma vez que é a mãe natural que alimenta e dá moradia aos seus filhos indígenas e, por isso deve haver respeito por ela. Como já foi dito anteriormente tanto Antropologia Ecológica como a ecocrítica procura avaliar esse envolvimento cultural com o natural.
Nas comunidades indígenas “Se uma árvore é derrubada, faz-se um rito de desculpa para resgatar a aliança de amizade” (BOFF, 2007, p 01). É por essa razão, que Lina demonstra tanto afeto ao meio biótico. Nos momentos de solidão no mundo real ela procura a natureza como refúgio. “A solidão a teria esmagado se ela não tivesse [...] se transformado em uma coisa a mais a se mover no mundo natural. Ela crocitava com os pássaros, conversava com as plantas, falava com esquilos, cantava para a vaca e abria a boca para a chuva” (MORRISON, 2009, p. 49).
É uma exuberante representação do diálogo da natureza humana com a não humana, é sentir a água sagrada produzida pela mãe natureza, para então, lavar e purificar a sua alma, essa ação comunicativa da índia Lina na obra é o estilo de Morrison de veicular as manifestações culturais dos índios norte-americanos na representação literária, “a natureza fala e o indígena entende sua voz e mensagem. Por isso ele está sempre auscultando a natureza e se adequando a ela” (BOFF, 2007,p. 01).
Nesse processo de integração mútua compreende-se que Lina é parte da natureza, ela observa todo o seu espaço biótico, “olhou pela vidraça ondulada da minúscula janela um sol namorador despejando luz amarela aos pés da cama da patroa. Ao longe, do outro lado da trilha, havia uma floresta de faias. Como sempre, ela conversou com as árvores. ‘você e eu, esta terra é nosso lar’” (MORRISON, 2009, p. 59).
As imagens espaciais observadas por Lina constituem o sentimento de pertencimento e, isso é fundamental para a manutenção do lugar num “processo intimamente ligado com a cultura e identidade de seus habitantes. Sobretudo, o lugar é um resultado de habitação, uma consequência dos modos como pessoas vivem num espaço”. (ASHCROFT, 2001, p. 156). Nesse processo de relação entre o local e o cultural, como já foi explorado no tópico, antropologia ecológica em diálogo com a ecocrítica, nota-se que os dois elementos precisam dessa conexão para que um faça parte do outro, o universo biótico nutre os sentimentos de Lina, dessa forma, ela se sente na responsabilidade de cuidar e proteger o lar que ambas fazem parte, é desse modo, que aliança de pertencimento é edificada.
A passagem da protagonista Florens pelas florestas desperta o sentimento de angústia ao vislumbrar as ações da devastação ambiental pelo colonialismo ao mencionar “[...] nunca vi folhas fazerem tanto sangue e ouro. Cor tão berrante que machuca o olho e para aliviar eu olho o céu por cima da linha das árvores. De noite quando a luz do dia dá lugar para as estrelas jóias no céu preto, vejo Lina dormindo [...]” (MORRISON 2009: 148).
Essa visão de Florens ativa uma sensação de aflição, porque o desmatamento das florestas metaforicamente ocasiona à morte de Lina ao vê-la dormindo, Lina é parte integrante da natureza, assim se as árvores morrem ela também morre junto, porque é no espaço da biota que ela busca alimentar suas energias vitais.
Como se pode observar, os procedimentos das análises no romance A Mercy correspondem aos estudos da antropologia ecológica em diálogo com a teoria da ecocrítica, percebe-se dentro do espaço literário da obra, que Morrison classifica as ações dos personagens com a natureza, a partir das suas respectivas culturas. Jacob Vaark é a incorporação do colonizador, a sua relação com a natureza é uma visão capitalista e de violência com o meio ambiente. Já a índia Lina expressa o olhar diferenciado ao ecossistema, porque é a sua moradia, mostra o sentimentalismo de pertencimento, compreende que ela e o local de habitação, ambas necessitam do relacionamento amigável para manter a sobrevivência planetária.
Morrison mostra que o processo destrutivo do ecossistema existe desde o período colonial, traz uma contribuição para a visão ambientalista a partir do romance A Mercy e da continuidade a essa mesma reflexão no romance Tar Baby, aqui Morrison denuncia a degradação do meio ambiente, criticando o imperialismo pós- Colonial dos ricos do Norte estadunidense que constroem casa de férias no Sul, conforme segue o fragmento abaixo:
Clouds and fishes were convinced that the world was over, that the sea-green of the sea and the Sky- blue Sky of the Sky were no longer permanent. Wild parrots […] agreed and raised havoc as they flew away to look for yet another refuge. […] The clouds gathered together, stood still and watched the river scuttle around the forest floor, crash headlong into the haunches of hills with no notion of where it was going […]. Te clouds looked at each other, then broke apart in confusion.[…] When it was over, and houses instead grew in the hills, those trees that had been spared dreamed of their comrades […]. Then the rain chaged and was no longer equal (MORRISON, 1983, p. 7-8)
As nuvens e os peixes estavam convencidos de que o mundo terminou, que o verde de mar verde e o azul do céu azul não eram mais permanentes. Papagaios selvagens[...] concordaram e com grande estrondo e confusos voaram em busca de mais um refúgio.[...] As nuvens se juntaram, ficaram paradas e olhavam o rio correndo pelo solo da floresta de maneira confusa e agitada, rebentando precipitadamente nas ancas das colinas sem a menor noção a onde ir [...]. As nuvens olharam-se e depois dispersaram em confusão. [...] Quando terminou e as casas cresciam nas colinas, aquelas árvores que sobraram sonhavam com seus camaradas [...]. Logo depois a chuva mudou e não era mais igual (MORRISSON, 1983, p.7-8 – Tradução nossa).
Observe, que nesse fragmento, a narradora mostra que a natureza se desconfigura pelas ações dos homens, destroem os habitat dos animais, mudam o percurso dos rios, rompem com o ciclo da natureza impossibilitando a renovação das fontes naturais, pois até mesmo a chuva não é mais a mesma, agora é um ambiente artificial. Esse cenário exposto pelo fragmento exemplifica o contexto atual, das grandes construções, das transposições dos rios, o desmatamento das árvores, da falta de ética do homem com os sistemas ecológicos. Isso está conectado aos modos de organização cultural, o que pensam? E como pensam? A respeito do meio ambiente.
Na narrativa há o processo de assimilação cultural que é aquilo que uma cultura adquiriu da outra implicando ou não na perda da sua, esse processo é veiculado no envolvimento da personagem negra Jadine com os brancos, que faz com que ela absorva o pensamento de bens materiais da sociedade capitalista branca, que o explora a natureza animal para produção de casaco de pele. Dessa forma as “borboletas – imperadores [...] aguarraram-se às janelas de outro quarto, tentando vê com os próprios olhos o que as madressilvas-anjos lhes tinham descrito: as peles de noventa bebês-focas costuradas [...]. As borboletas não acreditavam e iam para ver elas mesmas” (MORRISON, 1983, p. 74 – Tradução nossa).
Na ótica dos estudos culturais, o relacionamento da personagem Jadine com os brancos e a sua caracterização com o casaco de pele de foca, como já foi mencionado, é visto como um processo de assimilação cultural. Essas vestimentas no contexto literário do romance pertencem à sociedade dominadora.
Esse processo mostra também uma crítica da escritora ao mostrar a morte dos animais marítimos para atender a produção têxtil norte-americana. Juntamente com o sentimento de luto transmitido pelas borboletas- imperadores.
As análises literárias feitas nesse tópico provam que a linguagem literária faz interconexões com outras áreas do conhecimento, entre elas a antropologia ecológica e a teoria da ecocrítica. Dentro dessa visão ambientalista o romance “A Mercy”e “Tar Baby” confirmam que não há somente os estudos da diáspora negra impregnada neles. Morrison faz uma reflexão ambiental em contextos históricos diferenciados a partir das ações dos personagens e o espaço que estes estão inseridos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos ambientais apontam para um olhar de cuidado e preservação com a natureza, a perceber que estas discussões abre espaço para uma reflexão e sensibilização global, no qual, a sociedade universal se perdeu, em meio, a imposição de uma cultura capitalista de produção de bens materiais. Nessa perspectiva, o corpus argumentativo da Antropologia Ecológica em diálogo com a ecocrítica possibilitou a sustentação das análises literárias nos romances, A Mercy e Tar Babay.
A contextualização em A Mercy está situada no período colonial, Toni Morrison mostra o inicio do progresso da deterioração ambiental nos Estados Unidos a partir do envolvimento do personagem Jacob Vaark com o meio natural, esse relacionamento é de devastação, ele constitui o perfil da percepção capitalista do colonizador, o qual desmata as árvores para seus fins. Em Tar Baby as ações devastadoras ocorrem na segunda metade do século XX, as construções das casas de lazer no Sul estadunidense mostra o impacto ao ecossistema, o uso do casaco de pele de foca pela Personagem Jadine mostra a exploração de animais marítimos para atender os fins capitalistas de consumo de bens, onde brancos e negros se relacionam para juntos aniquilar a flora e a fauna.
Desse modo, constata-se nesse estudo que os romances analisados são multidisciplinares, porque possibilitou o diálogo com outras áreas do conhecimento, a saber, a Antropologia Ecológica em diálogo com a ecocrítica foi arguida no envolvimento do homem em torno do seu campo biótico mostrando que tem como pano de fundo os diferentes interesses para atender as necessidades naturais, culturais, políticas e econômicas as quais estão inseridos.
Espera-se com este estudo contribuir para o surgimento de novos trabalhos na perspectiva sócio - ambiental, numa visão de cuidado com a natureza na tentativa de sensibilizar a humanidade a preservação ambiental e sustentabilidade ecológica, para, então, melhorar a condição de vida planetária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Professor da Faculdade Sete de Setembro-FASETE e do Centro Universitário do Vale do São Francisco-CESVASF, nas disciplinas que abrangem os Estudos Literários. Mestrando em Crítica Cultural pela Universidade Estadual da Bahia - UNEB – Campus II – Alagoinhas-BA. Linha 1 margens da Literatura. Orientando do prof. Dr. Roberto Henrique Siedel. Wellington.letters@yahoo.com.br
[2] Termo utilizado para designar uma prática ecocrítica de caráter crítico cultural.