21/01/2015

‘Trabalho bem feito coloca aluno no lugar do outro’

As aulas de educação física que ministro são baseadas em uma perspectiva que considera aspectos da pedagogia sociocultural e da neurociência, dentro da área da psicomotricidade. Avalio os alunos quanto a sua capacidade de utilizar toda a bagagem motora, cognitiva e social impressa em seus movimentos e oriento os que apresentam déficit durante situações diferentes da aula. 

No bairro de Vila Nhanhá, em Campo Grande (MS), onde trabalho na Escola Municipal Brígida Ferraz, há muitas famílias de presidiários ou de ex-presidiários. A questão do ambiente familiar a gente não tem como mudar, mas o comportamento na escola serve como referência para a criança. Pelo menos em algumas horas do dia, ela consegue saber que existem regras, que o professor é o mediador e que vai interferir em diversas situações. 

Assim, várias crianças que são violentas mudam de postura e as que são mais introspectivas se aproximam do grupo e passam a interagir um pouco mais. Dois irmãos autistas, que atendo com ajuda de um monitor, ao longo do ano saíram da repetição e passaram a interagir de forma positiva com os colegas e com os materiais que utilizo nas aulas. 

A aula é pensada segundo um método heurístico, de eureca, que remete a descobrimento, e eu deixo os materiais disponíveis para os alunos interagirem. Uso isso também com os maiores e me coloco como alguém pronto para ajudar quando for necessário. Nesse momento, eles perguntam se podem fazer um jogo de tabuleiro ou um outro esporte. Deixo eles à vontade, mas em alguns momentos faço intervenções. 

Os alunos fazem duas aulas semanais agrupadas em duas horas. Em 1h30, faço uma atividade bem orientada mesmo e, nos trinta minutos finais, acho importante dar uma “liberdade controlada”, até para saber o quanto eles assimilaram dos valores e temas que trabalhei. 

Nas séries iniciais do ensino fundamental, trabalho com circuitos e colchonetes no chão em atividades que não incluem necessariamente a bola e que vão servir como base para a prática dos esportes no futuro. Em algumas aulas, também estendo uma linha de um lado ao outro da quadra e peço para eles taparem os olhos e se colocarem na situação de um deficiente visual. Fazer com que eles experimentem atividades onde se colocam no lugar do outro é a base de qualquer trabalho bem feito. Você passa a imaginar a criança não como um “ser físico”, que pode ser um futuro esportista, mas como uma cidadã. 

Com as turmas do fundamental 2, desenvolvo um trabalho sobre drogas e violência. Seleciono os alunos que possuem observações de violência em sala de aula relatadas na coordenação e promovo discussões em grupo que discuto valores voltados às relações sociais (família, sociedade, direitos e deveres). Esse trabalho, de 1h30, é feito quinzenalmente, em ambiente específico, preparado com vídeo e cartazes para expressão de ideias e soluções, bem como de atividades artísticas que permitam a manifestação dos pensamentos e sentimentos. Essa questão de valores e de temas transversais está nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), e pode aparecer não só na educação física, como também na língua portuguesa e na matemática. 

No contexto do jogo ou da brincadeira, já estão presentes as limitações de cada um: um é mais violento e mais agitado, enquanto o outro, mais introspectivo. Ali, a gente já consegue ter exemplos para sentar e conversar. Isso é falado muito quando é feita a formação acadêmica na universidade, até de maneira repetitiva, mas na prática ninguém faz. É refletir sobre a prática do aluno e modificar as regras de acordo com as dificuldades apresentadas. Se um deles mostrou comportamento negativo, isso não será estimulado e alguma regra terá que ser mudada. As crianças podem conversar no momento que for dada abertura à elas. Isso é fundamental para a formação. É uma metacognição, isto é, elas refletem sobre o próprio aprendizado, interferem positivamente, e depois levam o conhecimento para outras situações da vida.

 

Tiago Tristão Artero - Porvir

 

 

 

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