18/06/2019

Uma Justiça, embuçadamente, postiça

Por Pedro Vieira Souza Santos

 

            Do latim justitia, deriva a então conhecida palavra justiça. Deveria, respeitando seu conceito, representar a faculdade de premiar ou punir, segundo o Direito. Além disso, trata-se de uma competência necessária para manutenção da ordem social, através da preservação dos direitos em sua forma legal. Contudo, nem sempre a justiça é, de fato, posta em prática. Quando isso acontece vem à tona o seu antônimo, isto é, a injustiça. E, mais importante do que uma mera definição da palavra, está sua tradução em atos práticos.

            No nosso cotidiano, se olharmos ao redor, não é difícil encontrarmos casos onde, literalmente, a injustiça se consolida. Numa visão macro, um exemplo notório está na desigualdade social impregnada cada vez mais no rodapé da sociedade brasileira. Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, os mais ricos tiveram aumento de 3,3% de sua renda e os mais pobres, queda de 20%.

            Certamente é possível afirmar que hoje você se deparou com alguma situação de injustiça. E isso não é difícil de verificar. Nas manchetes de jornais um crime sem resposta; na calçada, um mendigo implora uma moeda; na fila de um hospital, uma aflita espera por atendimento; na tribuna, políticos gozam do foro privilegiado, mesmo diante de indícios de corrupção; na biblioteca de uma escola pública, alguns livros básicos não ocupam as estantes.

            São fatos que concordam com o pensamento de Terêncio que já questionava quanta injustiça e quanta maldade não fazemos por hábito! Como acreditar que há condições justas? Ariano Suassuna outrora citara que seria muito difícil vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos.

            Aumentando a escala de observação, num contexto internacional, a injustiça disfarça-se em formas diferentes. De acordo com a Oxfam Internacional (organização que visa auxiliar na mitigação da desigualdade mundial) a Índia é um dos países mais desiguais do mundo, onde 10% dos mais ricos da população indiana detém 77% da riqueza nacional. Na África do Sul, o nível de desemprego está, assustadoramente, acima de 25% e a riqueza do país (ora convertida em poder) é mantida pela minoria branca. Na Etiópia, a expectativa de vida de um recém-nascido é de pouco mais de 65 anos, sendo que a de um alemão, por exemplo, chega a 81 anos.

            Hoje, uma em cada três pessoas que dividem o território conosco não tem acesso a água potável. E isso acarreta uma das formas mais claras de injustiça. Um dado que ilustra tal situação é de que, anualmente 297 mil crianças com idade abaixo de cinco anos morrem por diarreia associada à má qualidade da água e seus fatores intrínsecos.

            A (in)justiça, portanto, camufla-se em diversos formatos. Em Roma, a justiça é modelada por uma estátua de olhos vendados. Tal caracterização deveria, a princípio, remeter ao significado de que todos são iguais perante a lei ou ainda de que todos têm iguais direitos. Mas, atualmente, esse preceito esbarra na crescente alavancagem de ações injustas Mundo a fora. Para o Barão de Montesquieu a injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos.

            Mas, quem comete uma injustiça é sempre mais infeliz que o injustiçado, assim disse Platão. Tempos depois, o ilustre Rui Barbosa afirmara: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

            O fato é que devemos concordar com Henri Lacordaire, que afirmara que a injustiça atrai a injustiça. Nesse sentido, cabe a cada um de nós lutar por um Mundo mais justo. Sim, somos responsáveis diretos por permitir, aumentar ou eliminar (ao menos como objetivo maior) a injustiça cometida, explicitamente, diante de nós. Em suma, devemos entender, a priori, que a justiça deve ser a sanção das injustiças estabelecidas, como pregava Anatole France.

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