Uma visão panorâmica dos dispositivos normatizadores do campo da ciência e tecnologia no Brasil
UMA VISÃO PANORÂMICA DOS DISPOSITIVOS NORMATIZADORES DO CAMPO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL
Anderson Luis da Paixão Café 1; Núbia Moura Ribeiro 2; Roberto Leon Ponczek 3
1 Bibliotecário, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Difusão do Conhecimento (UFBA; UNEB; UEFS; IFBA; SENAI/CIMATEC e LNCC).
2 Engenheira Química, Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Difusão do Conhecimento (UFBA; UNEB; UEFS; IFBA; SENAI/CIMATEC e LNCC).
3 Físico, Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Difusão do Conhecimento (UFBA; UNEB; UEFS; IFBA; SENAI/CIMATEC e LNCC).
RESUMO
Michel Foucault pode ser considerado um dos principais intelectuais parisienses dos anos 1950 e 1960 que se dedicou aos estudos sobre os saberes e poderes. A compreensão do pensamento de Foucault a respeito da constituição do sujeito está estruturada, de modo geral, em três grandes fases: arqueologia, genealogia e o cuidado de si. Dessa forma, este artigo traz a discussão sobre a percolação do poder dentro do campo da ciência, tecnologia e inovação no Brasil, partindo do ferramental teórico elaborado por Foucault na fase em que se dedicou a discutir sobre a genealogia das relações de poder. Por conseguinte, através de uma ampla revisão na literatura científica, o artigo mostra o conjunto de dispositivos normatizadores (política científica, planos nacionais de pós-graduação, modelos e critérios de avaliação de cursos stricto sensu e indicadores da produção intelectual) que regem a vida dos pesquisadores e das instituições de pesquisas que compõem o atual campo científico e tecnológico brasileiro. O artigo conclui que esses dispositivos são os principais meios utilizados pelas instituições disciplinares para fabricarem corpos dóceis, úteis, submissos, isto é, corpos produtivos dentro da atual estrutura científica e tecnológica.
Palavras-chave: Dispositivos de controle. Política científica. Critérios de avaliação. Indicadores de avaliação da produção científica.
ABSTRACT
Michel Foucault can be considered one of Pará leading intellectuals of the 1950s and 1960s who dedicated himself to studies on the knowledge and power. The understanding of Foucault's thought about the constitution of the subject is structured, generally in three phases: archeology, genealogy and self care. Thus, this article presents a discussion on the power of percolation within the field of science, technology and innovation in Brazil, based on the theoretical tools developed by Foucault at the stage where it was dedicated to discussing the genealogy of power relations. Therefore, through a comprehensive review of the scientific literature, the article shows the set of standard-setting devices (scientific policy, national postgraduate plans, models and evaluation criteria strictly speaking courses and indicators of intellectual production) that govern life of researchers and research institutions in the current Brazilian scientific and technological field. The article concludes that these devices are the main means used by disciplinary institutions to manufacture docile bodies, useful, submissive, ie, productive bodies within the current scientific and technological structure.
Keywords: control devices. Science policy. Rating criteria. Evaluation indicators of scientific production.
1 INTRODUÇÃO
De acordo com Michel Foucault, a partir do movimento de maio de 1968 se tornou visível que a ideia do exercício do poder não estava centrado, exclusivamente, na figura do Estado, ou seja, na macroestrutura, mas, pelo contrário, o poder estava presente em diversos espaços sociais, sob diferentes formas, efetivando-se, também, nas microestruturas. Dessa forma, o movimento de maio de 1968 incitou Foucault a assumir papel de referência nas análises críticas em relação às concepções tradicionais a respeito do poder. Para Foucault, o poder não é necessariamente um objeto que pode ser possuído por alguém, como pensavam os marxistas, mas sim um exercício constante de sujeição que se realiza de várias maneiras não podendo ser entendido como atributo exclusivo do Estado.
Para Michel Foucault, o poder é entendido enquanto algo que está presente em todos os espaços sociais, disseminando-se pelas gigantescas malhas das redes que envolvem a sociedade como um todo. Para ele, como o poder está em todas as relações sociais, o disciplinamento dos sujeitos só se torna possível por meio de instituições disciplinares como escolas, presídios, manicômios, famílias, dentre outras, que têm a função de resgatar os indivíduos dos múltiplos espaços sociais, submetendo-os ao poder disciplinar e incutindo-lhes um conjunto de normas e procedimentos para tornar seus corpos dóceis politicamente e úteis produtivamente.
Dito isto, este artigo discorre sobre a percolação do poder no campo da ciência e tecnologia no Brasil, estudando os dispositivos normatizadores (política científica, planos nacionais de pós-graduação, modelos e critérios de avaliação de cursos stricto sensu e indicadores da produção intelectual) que regem a vida dos pesquisadores e das instituições de pesquisas que compõem o atual campo científico e tecnológico brasileiro.
Nessa perspectiva, no primeiro momento da abordagem, traça-se o cenário da política científica e tecnológica no Brasil, mostrando seu marco legal e institucional. No decorrer da argumentação, apresenta-se o modelo de avaliação da pós-graduação stricto sensu implementado pela CAPES e, posteriormente, os critérios avaliativos vigentes dentro do campo científico Interdisciplinar, campo epistemológico onde atuam os autores deste artigo. Simultaneamente, aborda-se sobre o habitus dos pesquisadores em relação à comunicação dos resultados de pesquisas e finaliza o artigo com uma discussão sobre os indicadores de avaliação que mensuram a produção científica dentro dos campos científicos.
2 A POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Diferentes nações, localizadas nas mais diversas regiões geográficas do mundo, têm testemunhado e assistido, sobretudo nas últimas décadas, constantes transformações nos padrões de estruturação e de regulação das relações políticas, das práticas socioculturais e dos modelos de gestão de instituições públicas e privadas que trouxeram “[...] significativas mudanças para as relações econômicas, políticas e sócio-culturais” (FRÓES, 2000, p.285).
Considera-se que os pressupostos dessas mudanças estão associados à crescente e rápida produção de informação enquanto “[...] recurso nacional para o desenvolvimento dos países” (SILVA, 1993, p.71) e de conhecimento como fator “[...] central na busca e consolidação de vantagens competitivas” (AUN; CARVALHO; KROEFF, 2005, p.318), e a literatura aponta informação e conhecimento como meios essenciais para que os países adquiram poder econômico e político e conquistem posições importantes em um mundo cada vez mais competitivo e globalizado.
Nesse sentido, a maior ou menor capacidade de os países atuarem nesse novo cenário determinará a posição de cada um deles dentro do campo da política mundial, que, por sua vez, está marcada pela existência de dois grandes blocos: os países dominantes, isto é, aqueles detentores de informação e os países dominados, ou seja, aqueles consumidores de informação (SILVA, 1993). Tendo em vista esta situação, os países passaram a considerar como recurso estratégico, do ponto de vista político-administrativo, a formulação e implementação de políticas públicas decorrentes das articulações de forças entre governos dos Estados nacionais, subnacionais e supranacionais e as demais forças vivas de uma sociedade.
Sendo as políticas públicas percebidas, para efeito desta discussão, como uma espécie de grande campo do conhecimento, no qual o Estado regulamenta e controla a vida humana em diferentes campos do saber, pode-se entender a política científica e tecnológica como temática integrante desse campo, cujas ações (aprovação de leis, políticas, planos, programas etc.) passaram a fazer parte da agenda de prioridades governamentais de muitas nações, inclusive com a criação de órgãos oficiais de coordenação e execução das atividades de ciência e tecnologia.
Apesar da variedade de enfoques encontrados na literatura sobre as principais características de uma política científica e tecnológica, como reforça Dias (2011), em estudo que revisa o termo, a vertente que interessa a este estudo é aquela que entende a política científica como um conjunto de dispositivos normatizadores (leis, decretos, regras, práticas e orientações etc.) que regulam a vida dos agentes (individuais e institucionais) responsáveis pela produção de conhecimento científico e tecnológico, estabelecendo, também, estratégias de ações que possibilitarão às nações conquistarem posições estratégicas no cenário mundial.
O surgimento e a institucionalização da política científica e tecnológica estão associados ao famoso relatório Science: the Endless Frontier, elaborado pelo então diretor da Agência de Pesquisa Científica e de Desenvolvimento dos Estados Unidos, o norte-americano Vannevar Bush. Este documento traçou as bases para o fortalecimento do apoio governamental às atividades de pesquisa e desenvolvimento, sendo inegável que, após a sua publicação, em 1945, houve grandes preocupações de diferentes países quanto à estruturação do campo das políticas científicas e tecnológicas (VIOTTI, 2003; DIAS, 2011). O destaque para este relatório deve-se à defesa da existência de financiamento público para pesquisas básicas, voltadas para o desenvolvimento científico sem compromisso com aplicação prática de resultados.
No Brasil, a atividade científica é recente, tendo iniciado o seu desenvolvimento entre o final do século XIX e início do século XX. As primeiras universidades brasileiras surgiram há aproximadamente um século. As agências de fomento à pesquisa e desenvolvimento tecnológico foram implantadas entre os anos de 1950 e 1960.
O marco legal e institucional do campo científico e tecnológico no Brasil ocorreu com a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1951, através da lei 1.310, de 15 de janeiro. Naquela época, esta agência estava vinculada à Presidência da República e surgiu com o objetivo de “[...] promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica em qualquer domínio do conhecimento” (BRASIL, 1951, art.1).
Outro órgão federal de fundamental importância para estruturar o campo da ciência e tecnologia no país foi a atual Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), instituída como Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior também no ano de 1951, por meio do decreto nº 29.741, de 11 de julho de 1951 para atender às necessidades de formação especializada de pessoal qualificado para atuar nos empreendimentos públicos e privados existentes no país.
Aos poucos, o Brasil foi tecendo a sua rede de instituições fomentadoras do desenvolvimento científico e tecnológico, tendo a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) como mais uma integrante do campo da ciência e tecnologia no país. Esta se integrou ao campo, dando suporte à construção de novos conhecimentos por meio da mobilização e financiamento de recursos humanos e tecnológicos, contribuindo para o aumento da produção intelectual.
Apesar das principais agências de fomento à pesquisa terem sido criadas entre as décadas de 1950 e 1960 (CNPq, Capes e Finep), foi somente na década de 1970 que surgiram os principais instrumentos e programas que contribuíram para a maior consolidação do campo da ciência e tecnologia no país. Dessa forma, a primeira estrutura de financiamento ocorreu com a criação do Fundo Nacional de Tecnologia (FNT), mantido com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e que, mais tarde, transformou-se no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) (LONGO; DERENUSSON, 2009). Atualmente, esse fundo é de natureza contábil e tem como objetivo “[...] financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico com vistas a promover o desenvolvimento econômico e social do país” (BRASIL, 2007, art.1).
Para além desses órgãos que promovem o financiamento de projetos de pesquisas e o desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, outros órgãos federais também foram criados para integrar o campo da ciência e tecnologia, consolidando a rede de pesquisa nacional, tais como: Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (CEPEL), Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Instituto Nacional de Tecnologia (INT), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA) e o Instituto Militar de Engenharia (IME). Iniciativas como o programa nuclear, o programa espacial e programas relacionados a vacinas e medicamentos também colaboram para a consolidação do campo (SCHWARTZMAN, 2001; NEVES, 2002; DIAS, 2012).
Em âmbito estadual, também foram criadas instituições que contribuíram para a consolidação do campo da ciência e tecnologia, a exemplo da Fundação Núcleo de Pesquisa Industrial (NUTEC), o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CEPED), o Instituto de Pesquisa do Estado de São Paulo (IPT) e as Fundações de Apoio à Pesquisa (FAPs) que estão vinculadas às Secretarias Estaduais de Ciência e Tecnologia. As FAPs atuam intermediando, por meio de atividades de cooperação técnica e prestação de serviços, institutos de pesquisas, universidades e empresas públicas e privadas nos Estados em que atuam (SCHWARTZMAN, 2001; NEVES, 2002; DIAS, 2012).
3 O MODELO DE AVALIAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
Reconhecida nacional e internacionalmente por ter estruturado e consolidado um modelo de avaliação de cursos stricto sensu (mestrado e doutorado) que está em vigor há mais de trinta anos no país, a Capes desempenha um papel estratégico para garantir a qualidade acadêmica desses cursos.
A criação da Capes e do CNPq representaram não só o início da valorização da universidade como principal lócus de formação especializada de profissionais de alto nível acadêmico como também um espaço privilegiado de indução de pesquisas e geração de produção científica. Em 2010, a Capes registrava a existência de 4.691 cursos de pós-graduação vinculados a 9 (nove) grandes campos do conhecimento científico (COORDENAÇÃO..., 2010).
Para que a Capes cumprisse com a sua função institucional que, como foi visto, está associada com a formação de pessoal qualificado e a identificação de potencial científico e tecnológico em âmbito nacional, o governo federal, por meio do decreto n° 86.791 de 1981, reconheceu a agência como órgão oficial responsável pela elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) que é um documento estratégico para estabelecer uma “[...] direção macro política para a condução da pós-graduação, através da realização de diagnósticos e de estabelecimento de metas e de ações” (COORDENAÇÃO..., 2010, p.38).
No decorrer da história foram desenvolvidos cinco planos nacionais que regeram as atividades dos corpos individuais e populacionais que integram o campo da pós-graduação no Brasil. O I PNPG abrangeu um período compreendido entre 1976 e 1979 e esteve focado na introdução do princípio do planejamento estatal enquanto ferramenta que possibilitasse o crescimento organizado do campo da pós-graduação no país. O objetivo desse plano era “[...] formar docentes, pesquisadores e quadros técnicos para o sistema universitário, o setor público e o segmento industrial” (COORDENAÇÃO..., 2010, p.15).
Por sua vez, o II PNPG, que cobriu o período de 1982 a 1985, também esteve voltado para a formação de recursos humanos qualificados para a docência, pesquisa e atividades técnicas, enfatizado no primeiro plano, porém as suas diretrizes recaíram, principalmente, na “[...] qualidade do ensino superior e, mais especificamente, na da pós-graduação”. Entretanto, para alçar este objetivo foi necessária a “[...] a institucionalização e o aperfeiçoamento da avaliação, que já existia embrionariamente desde 1976 com a participação da comunidade científica” (COORDENAÇÃO..., 2010, p.26).
Já o III PNPG, compreendido entre 1986 e 1989 e elaborado na mesma época do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), expressou uma tendência relacionada a vontade de maior autonomia econômica, científica e tecnológica do país, cuja ênfase “[...] estava no desenvolvimento da pesquisa pela universidade e a integração da pós-graduação ao sistema de ciência e tecnologia” (COORDENAÇÃO..., 2010, p.26).
Quanto ao IV PNPG, observa-se que o mesmo não chegou a ser promulgado oficialmente, apesar de terem ocorrido seminários e discussões dentro do campo universitário para sua elaboração. O fato ocorreu porque na época existiu uma série de circunstâncias, envolvendo limitações orçamentárias e carência de maior articulação entre agências de fomento, que não permitiram a sua concretização. Entretanto, vale ressaltar que as suas recomendações balizaram, durante anos, algumas das ações desenvolvidas pela Capes como a “[...] expansão do sistema, diversificação do modelo de pós-graduação, mudanças no processo de avaliação e inserção internacional da pós-graduação” (COORDENAÇÃO..., 2010, p.29).
A necessidade de garantir o crescimento equânime do campo científico da pós-graduação no país corroborou, dentre outros fatores, para a Capes lançar o V PNPG, cujo planejamento abrangeu o período compreendido entre 2005 e 2010. Este plano teve como seu principal foco buscar o fortalecimento da articulação entre agências de fomento federais e estaduais e estas com o setor empresarial brasileiro. Dessa maneira, os seus três principais objetivos foram: “o fortalecimento das bases científicas, tecnológicas e de inovação; a formação de docentes para todos os níveis de ensino e a formação de quadros para mercados não acadêmicos” (COORDENAÇÃO..., 2010, p.33).
Atualmente, o campo da pós-graduação no Brasil é regido por um conjunto de diretrizes que estão estabelecidas no VI PNPG, correspondente ao período de 2011 a 2020. Este plano leva em consideração “[...] o legado dos planos anteriores, propondo a continuidade do crescimento com qualidade do [Sistema Nacional de Pós-Graduação], [incorporando] novas ações e políticas” (COORDENAÇÃO..., 2010, p.39).
Percorridas as principais ideias que fundamentaram os planos nacionais que regeram e regem o campo da pós-graduação no país, pode-se afirmar que uma das principais diferenças entre a Capes e as demais agências de fomento à pesquisa no Brasil (CNPq, FINEP e FAPs), por exemplo, é que os financiamentos das pesquisas estão atrelados ao desempenho dos programas de pós-graduação e, consequentemente, dos agentes (docentes e discentes) neles inseridos, sendo que a aferição desse desempenho é realizada através de modelos avaliativos que evoluíram no decorrer do tempo.
Em 1976, a Capes iniciou o processo de avaliação de cursos stricto sensu no país, limitando esta avaliação ao seu uso interno, tendo como sua principal finalidade, no primeiro momento, distribuir bolsas de pesquisas aos cursos por meio de cotas, dependendo do desempenho do mesmo no processo avaliativo. Em 1980, a Capes implantou o sistema nacional de avaliação da pós-graduação e continuou relacionando a alocação de recursos financeiros ao desempenho obtido pelos cursos em processo avaliativo, passando a expressar os resultados dessa avaliação em escala única de conceituação estruturada em cinco níveis (A a E) (VERHINE; DANTAS, 2009).
Foi na primeira metade da década de 1980, ou seja, durante a vigência do II PNPG que houve a consolidação do modelo de avaliação na pós-graduação. Nesta época, as diretrizes avaliativas recaíram na qualidade do ensino superior, sobretudo naquele ofertado na pós-graduação. Na década de 1980, como já relatado anteriormente, o foco de atuação dos gestores esteve pautado na institucionalização e aperfeiçoamento do modelo avaliativo da pós-graduação (COORDENAÇÃO..., 2010).
Em 1990, o modelo avaliativo da pós-graduação stricto sensu passou por novas alterações, pois, de acordo com Fávero (1999), tanto a própria Capes quanto os agentes integrantes dos mais variados campos do conhecimento reivindicavam a introdução de novos elementos ao modelo avaliativo em vigor. Foi neste contexto, no entanto, que a Capes inseriu, a partir do biênio 1996/1997, mudanças na avaliação que alteraram, portanto, o foco da formação de professores para a formação de pesquisadores (KUENZER; MORAES, 2005; BIANCHETTI; MACHADO, 2007; ALVES, 2008). Por conseguinte, as alterações ocorridas a partir do biênio 1996/1997 foram se consolidando nos triênios subsequentes, ocorrendo, desta forma, a priorização da pesquisa em detrimento das atividades de ensino. Este modelo, portanto, foi o responsável pela criação de uma lógica avaliativa, vigente até então, a qual está sustentada, sobretudo, na mensuração da produção intelectual em detrimento das demais atividades acadêmicas (KUENZER; MORAES, 2005).
Nesse sentido, com a ênfase da avaliação sustentada na análise de produtos científicos, foram criados modelos avaliativos que permitiram aferir a qualidade dos cursos de pós-graduação, comparando-os à qualidade das pesquisas realizadas em seu interior. Assim, foi no triênio 1998/2000 que se iniciou, no âmbito da Capes, o desenho de um modelo de avaliação que se propunha a quadricular, para lembrar a expressão Foucaultiana, a produção intelectual difundida pelos programas de pós-graduação. No início, os resultados das avaliações eram apresentados sem grandes sistematizações, por meio de números globais da produção científica publicada em periódicos, livros e trabalhos de anais de congressos científicos (SOUZA; MACEDO, 2009).
A consolidação do Qualis ocorreu no triênio 2001/2003 quando ele passou a ser o principal sistema utilizado na pós-graduação stricto sensu para quadricular a produção intelectual informada pelos programas de pós-graduação no aplicativo Coleta de Dados. Ainda que a ideia do Qualis pudesse ser aplicada para quadricular a produção intelectual materializada em livros, capítulos, artigos de periódicos, anais de congressos, obras de artes, dentre outros, sua ênfase recaiu, no primeiro momento, sobre os periódicos científicos. No decorrer de sua existência, campos do conhecimento como os das Ciências Humanas e o das Artes passaram a requerer a expansão do sistema para quadricular outros canais de difusão como livros e obras artísticas, por exemplo.
4 OS CRITÉRIOS DO CAMPO CIENTÍFICO INTERDISCIPLINAR
Como foi discutido na seção anterior, o modelo de avaliação da pós-graduação stricto sensu foi se consolidando ao longo do tempo, permitindo, hoje, que a Capes aplique avaliações trienais em 48 diferentes áreas do conhecimento científico, utilizando-se de escalas de mensuração que variam de 1 (um) a 7 (sete), onde os programas que obtiverem conceitos 1 ou 2 sofrem sanções normatizadoras (descredenciamento) e permanecem impossibilitados de ofertar novas turmas, enquanto aqueles que obtiverem conceitos 3 a 7 permanecem dentro do campo da pós-graduação, disputando posições e buscando ocupar espaços de dominação.
Nesse sentido, a avaliação dos programas de pós-graduação em funcionamento no país é realizada a cada três anos. Recentemente, a Diretoria de Avaliação da Capes sinalizou às Pró-Reitorias de pesquisa e pós-graduação das Instituições de Ensino Superior (IES) possíveis alterações no espaço temporal da avaliação que passaria de 3 (três) para 4 (quatro) anos (UNEB INFORMA..., 2015). Dessa forma, são os resultados dessas avaliações que servem como fundamentos para aplicações de sanções normatizadoras aos programas (punindo-os com a diminuição de conceitos e, consequentemente, de recursos financeiros) ou premiando-os (com o aumento de conceitos e capitais financeiros para custeio das atividades), a depender do seu desempenho, sendo este mensurado pelos critérios de avaliação específicos de cada campo do conhecimento científico.
Cada CTC-ES dentro da Capes é responsável pela elaboração de seu documento de área que contém, dentre outras informações, as métricas utilizadas para avaliar os programas de pós-graduação. Essas métricas envolvem a avaliação de cinco quesitos: proposta do programa (que não possui uma pontuação específica, mas cuja avaliação é transversal aos demais quesitos); produção intelectual; corpo discente, teses e dissertações; corpo docente e inserção social, os quais, somados aos seus respectivos pesos, fundamentam o quesito relativo à proposta dos programas (COORDENAÇÃO..., 2013).
São esses os critérios utilizados no campo científico Interdisciplinar que possibilitam avaliar o desempenho dos corpos docentes e discentes que estão inseridos dentro dos programas de pós-graduação, sendo que, conforme se evidencia nesta discussão, 70% do conjunto da avaliação estão pautados nos quesitos 3 (três) e 4 (quatro) da ficha de avaliação, isto é, 35% na produção intelectual docente (quesito 3) e os outros 35% no corpo discente, teses e dissertações (quesito 4).
Desta forma, os critérios do campo científico Interdisciplinar parecem revelar que o foco atual da avaliação estrutura-se na produção intelectual que, conforme vários sociólogos da ciência como Pierre Bourdieu, representa o principal meio pelo qual pesquisadores e instituições de pesquisa acumulam capital científico dentro do campo acadêmico.
Nesse sentido, a próxima seção deste artigo é dedicada a discutir o habitus dos pesquisadores em relação ao processo de produção e comunicação dos resultados de pesquisas geradas no seio dos campos científicos.
5 A COMUNICAÇÃO DOS RESULTADOS DAS PESQUISAS CIENTÍFICAS
Dentre as inúmeras atividades desempenhadas pelos agentes nos campos científicos, a comunicação dos resultados de pesquisas é uma atividade essencial à construção de novos conhecimentos visto que a mesma “[...] situa-se no próprio coração da ciência” (MEADOWS, 1999, p.vii). Desta assertiva nota-se que tão importante quanto à realização das pesquisas é a comunicação e legitimação dos seus resultados, pois “[...] não basta apenas pesquisar, para se ter um novo domínio, um novo conhecimento – é fundamental a sua validação, o seu aceite” (NORONHA, 2008, p.117) perante os pares-concorrentes.
A avaliação científica realizada pelos pares é parte inerente ao “[...] processo que certifica o conhecimento científico” (MUELLER; PASSOS, 2000, p.18). Por seu intermédio, mensura-se, por exemplo, a produção científica, o currículo de um pesquisador, um projeto de pesquisa para financiamento, dentre outras atividades, colaborando, dessa forma, para a definição dos rumos da ciência e das instituições a elas vinculadas (DAVYT, VELHO, 2000).
O julgamento das pesquisas realizadas pelos pares possibilita a transferência de informações dentro do campo, permitindo, por sua vez, que ideias ou manuscritos, após conseguirem sobreviver ao escrutínio dos julgadores, transformem-se em conhecimento consensual, concretizando, assim, o ato da comunicação científica (DAVYT, VELHO, 2000; MUELLER; PASSOS, 2000; VELHO, 2001).
Para Stumpf (2000, p.109), a comunicação científica é um sistema geral que pode ser “[...] representado por um modelo composto por três elementos básicos: o emissor, o canal que transmite a mensagem e o receptor [cujo] objetivo é a veiculação de informações científicas”. Para a autora, entre as peculiaridades da comunicação científica uma das mais evidentes é seu caráter circular, em que o emissor e o receptor são os próprios cientistas: em um momento eles produzem conhecimento e em outros consumem o saber produzido pelos colegas. Esse modelo de produção e consumo de conhecimento científico tem se expandido consideravelmente em decorrência da crescente profissionalização das atividades científicas (MEADOWS, 1999). Essa expansão tem contribuído para o surgimento de estudos sobre o fluxo da comunicação científica como forma de minimizar as dificuldades de acesso ao conhecimento científico.
Compreende-se como fluxo da comunicação científica o “estudo do trajeto percorrido pela informação científica desde sua geração até sua divulgação em documentos secundários” (MUELLER; PASSOS, 2000, p.16), sendo que os estudos desenvolvidos por Garvey e Griffth, em 1979, a partir de uma rica coleta de dados realizada entre os anos de 1961 e 1970, forneceram as bases sobre as quais se assentam, até hoje, os olhares sobre os fluxos informacionais.
O trabalho seminal de Garvey e Griffth (1979) esteve focado na construção de um fluxo de comunicação científica com base nas práticas de divulgação científica dos pesquisadores do campo da Psicologia. Apesar desse modelo ter sido aplicado, em seu primeiro momento, entre os psicólogos, seus idealizadores afirmam ser ele passível de se aplicar a quaisquer outros campos do conhecimento. No modelo em questão, os seus idealizadores mostraram “[...] de maneira esquematizada o processo da disseminação científica, desde as fases iniciais da elaboração de um projeto de pesquisa até a aceitação final de seus resultados como conhecimento científico certificado” (MUELLER; PASSOS, 2000, p.16).
Quando da publicação desse modelo, ele foi rapidamente adaptado por outros estudiosos interessados em estudar a comunicação científica em diferentes campos do saber, servindo, inclusive, de inspiração para o surgimento de expressões como ciclo da informação, fluxo da informação e ciclo documentário, apenas para citar algumas, que se tornaram um tanto quanto frequentes nos estudos relacionados aos processos de construção e difusão do conhecimento (MUELLER; PASSOS, 2000).
Dessa forma, o modelo do fluxo da comunicação científica evidencia, dentre outros aspectos, o modo como os pesquisadores obtêm e transmitem informação científica entre os pares, sendo que essa comunicação se efetiva “[...] de várias formas, sendo que as duas mais importantes são a fala e a escrita” (MEADOWS, 1999, p.3).
A comunicação oral ocorre através de contatos interpessoais, sendo destituída de formalismos efetivando-se pelo contato direto, pessoa a pessoa, o qual possibilita maior atualização e rapidez no processo de comunicação científica. Exemplos desse tipo de comunicação podem ser pensados quando da ocorrência de trocas de informações entre pesquisadores em conferências, colóquios, seminários e nas conversas privadas que ocorrem por meio de telefonemas, cartas, fax, e-mails etc. Aos canais de difusão do conhecimento que possibilitam este tipo de comunicação a literatura denomina como informais.
No que tange a comunicação efetivada de forma escrita, esta corresponde aos registros informacionais realizados sob diferentes suportes, permitindo ampla divulgação e maior facilidade na recuperação de informações, caracterizando-se pelo maior controle, armazenamento e preservação das mesmas. Aos canais de difusão do conhecimento que possibilitam este tipo de comunicação a literatura denomina como formais, tendo os “periódicos e os livros como exemplos arquetípicos [desse tipo de canal]” (MEADOWS, 1999, p.7).
6 OS INDICADORES DE AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
Os resultados das pesquisas, como visto, são julgados, no primeiro momento, pelos próprios pares-concorrentes, cuja literatura tem denominado de “revisão por pares”, “julgamento por pares”, “sistema de arbitragem” ou peer review (STUMPF, 2008), e, após aprovados pelos mesmos, esses resultados são comunicados em canais de difusão, cujo prestígio, em sua maioria, ainda é sustentado, fortemente, por indicadores quantitativos.
Os indicadores, de modo geral, são entendidos enquanto medidas quantitativas utilizadas para ilustrar e comunicar, da forma mais simples e sintetizadora, os mais diferentes e complexos fenômenos econômicos, sociais, ambientais, políticos e científicos, incluindo tendências e progressos ocorridos ao longo do tempo.
No campo científico e tecnológico, os indicadores surgiram como instrumentos essenciais que permitiram “[...] compreender e monitorar os processos de produção, difusão e uso de conhecimentos científicos, tecnológicos e de inovações” (VIOTTI, 2003, p.47) usados, conforme discutem Santos e Kobashi (2005, p.3), para
[…] avaliar as potencialidades da base científica e tecnológica dos países, monitorar as oportunidades em diferentes áreas e identificar atividades e projetos mais promissores para o futuro, de modo a auxiliar as decisões estratégicas dos gestores da política científica tecnológica e também para que a comunidade científica conheça o sistema no qual está inserida.
Dessa forma, avaliar as potencialidades tecnológicas e monitorar as oportunidades estratégias demanda a construção de um sistema de indicadores que esteja voltado para colaborar com o avanço do conhecimento científico (razão científica), com o monitoramento das políticas públicas (razão política) e com a avaliação das estratégias tecnológicas de empresas e ações de trabalhadores, instituições e o público em geral que atuam no campo da ciência, tecnologia e inovação (razão pragmática) (VIOTTI, 2003).
Percebe-se assim, que as relações entre o conhecimento científico, a tecnologia e a inovação e as interações deles com outros campos do saber são fenômenos “[...] extremamente complexos, diversificados e em constante evolução”, sendo que “[...] a tarefa de medir esses fenômenos, suas relações e impactos, também é bastante complexa e tem evoluído historicamente” (VIOTTI, 2003, p.71).
Desse modo, ao se reportar à história, encontra-se a informação de que o primeiro registro moderno de utilização de indicadores científicos e tecnológicos “[...] apareceu no trabalho de J. D. Bernal [referindo-se] a uma pioneira estimativa dos gastos em atividades de pesquisa realizados no Reino Unido”. Outro pioneiro no estudo dos indicadores científicos e tecnológicos foi o economista J. Schmookler que introduziu “[...] já durante os anos de 1950, o uso das estatísticas de patentes como indicadores de atividades tecnológicas”. J.de Solla Price foi outro grande pioneiro dos indicadores de medição das atividades científicas ao criar a cientometria ou cienciometria (VIOTTI, 2003, p.71-72).
Além dos pioneiros citados acima, outros acadêmicos e instituições (como a Fundação Nacional de Ciência e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) empreenderam grandes esforços para a “[...] padronização internacional de conceitos e métodos de mensuração das atividades de Ciência e Tecnologia”. Contudo, nas últimas décadas, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) passou a “[...] exercer um papel crucial de liderança no esforço coletivo de desenvolvimento e sistematização dos indicadores e no aperfeiçoamento e padronização das metodologias utilizadas internacionalmente em sua coleta e divulgação” (VIOTTI, 2003, p.72).
Dessa forma, a formulação e utilização de indicadores de ciência, tecnologia e inovação seguem, em regras gerais, as recomendações e orientações de manuais editados pela OCDE, a exemplo do Manual de Frascati, do Manual de Oslo e o do Manual de Camberra e daquele organizado pela Rede Ibero-Americana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (Manual de Bogotá), baseado nos manuais da OCDE (VIOTTI, 2003).
Como já dito, J. de Solla Price foi um dos idealizadores dos estudos de medição da atividade científica e tecnológica e, por conta disso, ele criou um novo subcampo do conhecimento conhecido como cientometria ou cienciometria chamada por ele de “ciência das ciências”, que se preocupa em estudar “[...] el crecimiento cuantitativo de la ciencia, el desarrollo de las disciplinas y subdisciplinas, la relación entre ciencia y tecnología, la obsolescencia de los paradigmas científicos, la estructura de comunicación entre los científicos, la productividad y creatividad de los investigadores, las relaciones entre el desarrollo científico y el crecimiento económico” (SPINAK, 1998, p.142).
A estruturação do subcampo da cientometria ou cienciometria, como argumentam Santos e Kobashi (2003, p.4) “[...] baseia-se em indicadores bibliométricos construídos a partir de documentos publicados”. Eles lembram, ainda, que existe um conjunto expressivo desses indicadores que são “[...] empregados na análise da produção científica” e que a literatura, de modo geral, os tem classificado em “[...] indicadores de produção, indicadores de citação e indicadores de ligação”.
Os indicadores de produção possuem uma longa tradição enquanto instrumento de medição dos resultados de pesquisas dentro dos campos científicos. A sua elaboração e uso são constantemente incentivados, uma vez que a produção científica constitui-se um fator estratégico para impulsionar o desenvolvimento do campo científico e tecnológico dentro de um cenário de grande competitividade entre as nações. Esses indicadores “são constituídos pela contagem do número de publicações por tipo de documentos (livros, artigos, publicações científicas, relatórios, etc), por instituição, [campo] de conhecimento, país, etc” (SANTOS; KOBASHI, 2005, p.4).
Já os indicadores de citação são aqueles que medem o impacto de uma produção intelectual para um campo do conhecimento científico por meio da contagem do número de citações recebidas por uma publicação. Meadows (1999, p.61) argumenta que essa contagem é realizada pelo índice de citação, uma espécie de lista, na qual “[...] os artigos citados [são colocados] junto com os artigos que os citaram”. Assim, por meio desse indicador, é possível, dentre outros aspectos, atribuir não somente o capital científico a um agente (crédito científico) como também identificar a visibilidade de um canal de difusão dentro de um campo científico.
Os indicadores de ligação, por sua vez, estão relacionados ao mapeamento das redes de relações estabelecidas entre pesquisadores, instituições e países. Essas redes, de certa forma, correspondem a um tipo de “[...] empreendimento cooperativo que envolve metas comuns, esforço coordenado e resultados ou produtos (trabalhos científicos) com responsabilidade e mérito compartilhados” (BALANCIERI; BOVO; KERN; PACHECO; BARCIA, 2005, p.64). Com esse indicador os empreendimentos cooperativos são medidos pelo emprego de técnicas de análise estatística de agrupamento.
No Brasil, os indicadores bibliométricos são sustentados por agências de fomento como o CNPq e a Capes, que os utilizam, respectivamente, para avaliar os pesquisadores individualmente e os programas de pós-graduação stricto sensu, sendo adotados “[...] às vezes com algumas adaptações, pela maior parte das universidades e agências de fomento estatais e outras entidades de fomento no país” (MUELLER, 2008, p.25).
A base de dados mantida pela Capes contém indicadores científicos que permitem à agência atribuir nota aos programas de pós-graduação e monitorar todo o desenvolvimento dos cursos de mestrado e doutorado no país. Os cadernos de indicadores, como são conhecidos, contêm um conjunto de informações enviadas anualmente por todos os coordenadores de programas de pós-graduação à Capes por meio, atualmente, da plataforma Sucupira.
O CNPq é responsável pela Plataforma Lattes que, nos últimos anos, tem sido muito utilizada pelas agências de fomento e outras instituições acadêmicas para avaliar e selecionar projetos de pesquisa que receberão financiamento, bem como candidatos a bolsas de pesquisas e a cursos de mestrado e doutorado. A gama de indicadores existentes na Plataforma Lattes certamente a tornou uma das maiores, se não, uma das mais utilizadas fontes de pesquisa para coletas de dados nos estudos sobre produção científica em diferentes campos científicos.
Como foi possível perceber a ciência vem sendo considerada como um grande sistema de produção de informações, cuja dinâmica se sustenta na geração de indicadores de input (insumo) e output (produto), sendo que a mensuração desses indicadores constitui a base dos estudos métricos da informação. Esses estudos, conforme ressalta Noronha (2008), podem ser utilizados para, dentre outros aspectos, investigar, por exemplo, a orientação, a dinâmica e a participação da ciência em nível local, nacional e internacional, bem como a vida dos pesquisadores, a natureza de suas atividades e os fatores que influenciam as suas condutas; cada uma dessas categorias de análise pode ser subdividida, aprofundada e gerar novas variáveis e abordagens.
A importância adquirida pelos estudos métricos da informação, inicialmente direcionados à contagem de livros (bibliometria), foi evoluindo para a mensuração “[...] de outros formatos de produção bibliográficos como artigos de periódicos e outros documentos” (ARAÚJO, 2006, p.13). A evolução dos estudos métricos proporcionou o aparecimento de outros campos que aplicam técnicas quantitativas a diferentes objetos como a cientometria/cienciometria, já abordada; a informetria, que mensura “[...] não apenas informação registrada, mas também processos de comunicação informal” (VANTI, 2002, p.155) e a webometria, que faz “[...] uso de técnicas bibliométricas a world wide web”, representando o “[...] reconhecimento da importância da rede como meio de informação e comunicação” (BUFREM; PRATES, 2005, p.15).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de conclusão, vale ressaltar que este artigo esteve voltado para apresentar um panorama sobre os dispositivos normatizadores (política científica, planos nacionais de pós-graduação, modelo e critérios de avaliação de cursos stricto sensu e indicadores da produção intelectual) que regem as atividades desempenhadas pelos pesquisadores e instituições de pesquisas que integram o campo da ciência e tecnologia no Brasil.
No decorrer do texto foi dito que existe uma variedade de características associadas às políticas científicas, e a adotada neste trabalho corresponde àquela que está associada à ideia da existência de um conjunto de leis, decretos, regras, práticas, orientações etc. que disciplinam os agentes do campo científico, tornando-os, para rememorar o arcabouço teórico de Michel Foucault, corpos dóceis, isto é, aptos a uma maior produtividade acadêmica.
O modelo avaliativo pautado na produtividade acadêmica no campo da pós-graduação stricto sensu foi apresentado neste artigo, mostrando que, ao longo do tempo, o enfoque da avaliação dos cursos de mestrado e doutorado foi mudando, priorizando-se mais as pesquisas em detrimento das demais atividades desempenhadas pelos docentes, sobretudo a partir do biênio 1996/1997.
Assim, com a maior valorização da produção intelectual em detrimento das demais atividades acadêmicas, estudaram-se os critérios que regem a vida dos programas de pós-graduação stricto sensu e, consequentemente, dos docentes e discentes que estão inseridos no campo Interdisciplinar, constatando, de fato, que 70% do conjunto da avaliação está pautada na análise dos quesitos 3 e 4 da ficha de avaliação dos programas de pós-graduação que se referem, justamente, à mensuração da produção intelectual de docentes e discentes.
Percebido que a produção intelectual representa o principal meio pelos quais pesquisadores e instituições de pesquisas conquistam autoridade e reconhecimento científico dentro do campo acadêmico, abordou-se, neste artigo, sobre o habitus dos pesquisadores em relação à comunicação dos resultados de pesquisas, evidenciando que existem diferentes estratégias de publicações, cujas escolhas recaem, quase sempre, sobre o prestígio do título (no caso de periódicos) ou da editora (no caso de livros).
Por fim, o artigo foi encerrado com uma discussão sobre os indicadores, cujo enfoque maior recaiu sobre os indicadores bibliométricos classificados pela literatura como: indicadores de produção, indicadores de citação e indicadores de ligação. No Brasil, esses indicadores, como dito, são sustentados por agências de fomento como o CNPq e a Capes que os utilizam, com certo grau de adaptações, para avaliar pesquisadores e instituições de pesquisas em todo o país.
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