23/08/2016

VARIEDADES 1

Dênio Mágno da Cunha*

Iniciei o dia pensando no tema. Eram tantos os temas no início do dia. Optei então por fazer uma variedade de temas, falando sobre fatos acontecidas durante a semana. Semana das Olimpíadas, das medalhas, das premiações, das derrotas, das perdas e ganhos (lembro de Lya Luft e lembro dos amantes de “percas”). A abordagem aqui será à moda de Eduardo Galeano, autor de “Bocas do Tempo”.

Formatura.

A semana iniciou com as festividades de formatura dos alunos do primeiro semestre da escola onde trabalho. Emoções, muitas emoções. Foi também a semana de formatura de minha sobrinha, Laura Cunha. Não pude comparecer: às primeiras, porque não fui convidado. Embora acredite no livre direito de qualquer professor ir à formatura de seus alunos, o convite é feito apenas aos homenageados, paraninfo e patrono. Penso: todos deveriam ir, pois as formaturas são motivo de festa para toda a escola. No meu tempo de estudante era assim. À segunda não compareci porque a vida nos impõe limites. O importante é comemorar pois a formatura ou o final da formação superior é uma vitória; não dos estudantes somente, principalmente dos pais. Acredito na possibilidade dos pais sentirem mais a formatura do que os próprios formandos, em algumas situações. Parabéns aos vitoriosos. Medalha de Ouro!!

Formatura: o outro lado.

Quando conclui a minha graduação, não tive baile, não tive álbum de fotografia, não tive vídeo, não tive beca, não tive foto de quando era criança ou com a família, exibida no telão; não tive banda tocando rock, não tive confete nem serpentina, nem balão, não tive comissão de formatura. Pais, amigos, professores. Hoje é muito mais alegre, festivo... mas o essencial permanece.

Escola sem partido.

Fabiana me sugere um tema: “escreve sobre escola sem partido, quero compreender”. Não li profundamente sobre o assunto, mas no mesmo dia ao pesquisar para completar o texto da tese, leio Fernando de Azevedo descrevendo a disputa ocorrida na década de 1920-1930 pela obrigatoriedade, presença ou ausência, de conteúdo (ensino) religioso no ensino básico brasileiro. A Igreja Católica pensando na formação moral e cristã do cidadão, queria a obrigatoriedade. No final, evoluiu-se para ser optativo e retirada do currículo obrigatório do ensino religioso. Na sequência, em 1940, foi instituído o ensino de Educação Moral e Cívica pelo governo Getúlio Vargas. Virando as coisas para o lado do Estado. Em 1970, o governo militar inseriu conteúdos ideológicos à disciplina – até então focada nas responsabilidades sociais e morais do cidadão. Não sei a data, mas com o fim da dita(dura), não se falou mais nisso. Em 2013 propõe-se (Valtenir Pereira) através de um projeto, voltar com Moral e Cívica ou com OSPB – Organização Social e Política Brasileira – para as escolas. E agora, fala-se na ação do governo que teria revisado conteúdos escolares, dando-lhe um conteúdo analítico/crítico ideológico (não posso afirmar que sim ou que não, me faltam informações). Portanto Fabiana, posso lhe dizer: todo o cuidado é pouco quando falamos da formação do cidadão pela escola. Qual o conteúdo dessa formação? Qual o objetivo e a forma? Não deixo de lembrar de 1984 (George Orwell), e de Estados sempre a pretenderem formar cidadãos vacas de presépio, eliminando qualquer oposição ou pensamento diferente. Como podemos observar querer “formar o cidadão” é algo inerente a governos ditatoriais e não a sociedades pluralistas e democráticas; formar o cidadão, na maioria das vezes tem como sinônimo enformar (colocar na forma), moldar, doutrinar, conformar. Por isso tudo, muito cuidado nessa hora. Temos mesmo de estudar o assunto para compreendê-lo. Pessoalmente, sem ter estudado o tema, penso que o espaço da sala de aula é o espaço da pluralidade de pensamento, espaço partido, dividido, mas livre para o debate das ideias, respeitando as diferenças. Esse o aprendizado necessário. Além disso, é também o espaço para a dúvida, para a contestação, para desenformar e libertar e não ao contrário. Não é espaço para hegemonias doutrinárias de qualquer natureza – política, religiosa, cultural ou outra. Ubuntu.

Olimpíadas do conhecimento.

Não tenho opinião formada sobre tudo, muito menos sobre Olimpíadas do conhecimento. Como sou avesso a competições, preferiria não houvessem. Qual o significado de dizer: ganhamos primeiro lugar na olímpiada de matemática, de química, de engenharia espacial aplicada à metafísica? Quando vejo esses gênios individuais, penso nos outros tantos, sentados atrás de carteiras quebradas ou debaixo de mangueiras, tendo aula em escolas sem banheiro, sem água; crianças transportadas na carroceria de caminhões (paus de arara) ou em barcos abarrotados, sem sequer colete salva-vidas. Penso mais ainda, no uso que é feito destas vitórias pelos governos a se ufanarem e surfarem na onda das vitórias individuais, do esforço individual dos alunos, muitos deles, parte da grande fatia dos excluídos. Nesses momentos, incluídos às pressas. Ubuntu.

ALEPPO

Por mais doloroso seja, não poderia em sã consciência deixar de mencionar (assim ele é descrito pela mídia) “Omran Daqneesh, menino de 5 anos ferido em um bombardeio em Alepo, na Síria, cuja imagem chocou o mundo esta semana e virou símbolo da crueldade dos confrontos no país”. Para mim, Omran  Dagneesh é um menino vivendo numa sociedade desestruturada por uma guerra genocida; um menino sem escola; sem previsão de futuro. Terá de lutar muito para seguir vivo numa competição cruel, cujo prêmio é sobreviver (até quando?). Irá conseguir se refugiar? Sobreviver? Ou fará parte das estatísticas? Não tenho rapidamente números atuais, mas em março, relatório dos Médicos Sem Fronteira, com dados de 69 hospitais que eles mantêm, que as mulheres e crianças representaram de 30% a 40% dos 7.009 mortos na guerra. Outros 154.647 sírios foram feridos no conflito apenas no ano passado”. Ubuntu.

Fechando.

Omran Dagneesh terá de lutar muito, mas muito mesmo para ter uma formatura. Primeiro terá de lutar por sua vida; depois arranjar um lugar com uma casa, uma escola; depois estudar muito, muito, para afastar o trauma da guerra (quem já viu a foto dele sentiu o drama); em seguida terá de lutar contra o preconceito e atravessar barreiras da língua e de alunos diferentes, (se ele conseguir fugir da guerra); e finalmente, estará formado. E aí ele será um vitorioso, ganhará uma medalha. Mas só ele saberá o esforço feito e nessa hora lembrará do maldito bombardeio, destruidor de sua casa, de sua vida; naquele momento ele entenderá o sentido da palavra (re)construção e talvez finalmente, alcance a paz! Ubuntu.

Nessa hora, peço desculpas aos formandos brasileiros, pois tudo me parece sem sentido e se a escrita permitisse, eu faria um minuto de silêncio em homenagem a essas crianças e a todas as demais, cuja luta pela escola se mistura com a luta pela vida – aqui e lá.

UBUNTU é uma filosofia africana cujo significado se refere à humanidade com os outros. Trata-se de um conceito amplo sobre a essência do ser humano e a forma como se comporta em sociedade.Para os africanos, ubuntu é a capacidade humana de compreender, aceitar e tratar bem o outro, uma ideia semelhante à de amor ao próximo.Ubuntu significa generosidade, solidariedade, compaixão com os necessitados, e o desejo sincero de felicidade e harmonia entre os homens.

 * Professor em Carta Consulta e Una/Unatec. Doutorando Universidade de Sorocaba. Acredita em Ubuntu.

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